O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 6º EPISÓDIO

Agarrado a ultima tábua da porteira na entrada da arena, Cem-cem sentiu-se entre a cruz e a espada, embaixo na arena ele via o diabo em forma de boi, na platéia, o demônio incorporando o coronel Certorio, de pistola na mão com o dedo no gatilho, o ameaçando e exigindo, que ele desse sequencia ao espetáculo.
Nicó Vilela o filho do coronel, retomou seu lugar ao lado pai, explicando-lhe que segundo afirmações do farmacêutico, provavelmente o tira teima, estaria fora de combate por um longo período; sofreu varias fraturas nas costelas.
-- E o Barba Ruiva, aonde se meteu que não aparece? Perguntou o coronel ao filho;
-- Até o momento, ninguém sabe ninguém o viu! Irritadíssimo o coronel voltou ao cem-cem que suava mais que tampa de marmita sobre uma chapa quente. Efetuou mais um disparo para o alto, e avisou.
-- O próximo é in tua cara, Voismicê tem trinta segundos pra enfrentar este boi! Diante da ameaça Cem-cem saltou na arena, numa velocidade incrível, parecia um lagarto gigante correndo de quatro pés, em circulo, beirando a cerca da arena. Em poucos segundos, não sabia se ele estava na frente, ou atrás do Pretête tamanha a sua velocidade. Tentou vazar por baixo da cerca, mas quem diz que coube. Todo babado pelo boi ele parecia um bolo envolto por uma camada de espuma. Entalhado na cerca, ele gritava por tudo que era sagrado e pedia socorro.
Penalizada Dusanjo deixou seu lugar caminhou até cerca, apenas com um gesto de mão deteve o boi e ordenou;
- Pretête ajoelhe-se. Obedecendo ele dobrou as patas dianteiras postou o queijo no chão. A essa altura, restava apenas à ceroula samba canção vestindo o Cem-cem. O restante de sua vestimenta estavam às tiras espalhadas pela arena. Por incrível que pareça ele se levantou só de ceroula, mas sem nenhuma fratura. Permanecendo com a mão direita levantada detento o boi pretête, Dusanjo disse:
-- Retire-se da arena Cem-cem, vá tomar um banho e se vestir com mais decência, isto não é traje de se apresentar publicamente!
Pretête obediente a ela, como um cão ensinado apenas observava o toureiro fracassado afastando. Mais torto do que uma barata pisada, ele entrou pelo corredor do tronco, com uma nuvem de moscas e mosquitos perseguindo sua traseira borrada e mal cheirosa.
Decepcionado o coronel Certorio Vilela guardou sua pistola no coldre, meteu a viola no saco, e não disse nem mais uma palavra se quer. Seu pensamento estava focado apenas no desaparecimento de Barba Ruiva e seus outros dois capangas, Juca Caveira e Pedro Banguela, o trio responsável pela condução do boi ao circo, que fracassou frustrando, seu objetivo em desmoralizar seu rival publicamente.
Dirigindo-se à platéia Dusanjo indagou:
-- E então pessoal alguém deseja substituir os toureiros e dar sequencia ao espetáculo, ou podemos nos retirar, se alguém se habilita podem estar à vontade esperamos o tempo que for necessário!
Ninguém manifestou, senão com uma calorosa salva de palmas ensurdecedora, tirando lascas de fogo da cara do coronel Certorio. Que cuspia marimbondo, e outros bichos, espiando Dusanjo saltar dentro da arena e com uma facilidade de dar inveja montar o boi pretête. Entre palmas e vivas.
Abrindo a porteira da arena, ela passou pelo corredor, contornou o circo e entrou na praça, sendo aplaudida pela grande multidão presente, que abraçava o coronel Tiburcio, dando vivas para a familia Montenegro e exaltando a façanha da mais nova celebridade, a filha do coronel Tiburcio, para o desdém da familia Vilela.
Passava das quinze horas com o sol já vertido ao poente em busca de mais um de seu ocaso; Quando ambas as famílias dos coronéis tomaram cada uma, o rumo de suas casas. Coronel Tiburcio nunca se sentiu tão feliz. Tamanho era seu contentamento, que em todo o trajeto, ele seguiu tecendo elogios à sua filha para seu casal de escravos. Prudêncio e Inhá Chica que o acompanhava na sua carruagem diligenciada por ele próprio no papel de cocheiro.
Montando o boi pretête Dusanjo acompanhava o pai na carruagem. Ele não cansava de repetir a cena reprisando com detalhes todo o acontecimento, enaltecendo a coragem de sua filha.
Ao contrário o coronel Certorio seguia seu trajeto remoendo de ódio e repetia pra si mesmo;
-- bruxa maldita o que é seu tá guardado, como ousa me desafiar... Sua bruxa, pirralha maldita.
Enquanto isso; na cidade em todos os recintos, ruas e praças não se falava noutra coisa, senão no enigmático fenômeno que envolvia Dusanjo, diversas opiniões surgiam. Alguns atribuindo sua coragem como um truque de magia. Outros questionando seria a filha do coronel uma feiticeira? Mas ao mesmo tempo diziam; bruxa não pode ser...! Fada...! Talvez! Ou quem sabe seria macumba do casal de escravos que acompanhava a família do coronel. Afine desde o tempo de o seu pai, coronel Ataíde, Prudêncio teve sempre metido nas pendengas disputadas com o coronel Certorio.
A estrada de acesso à cidade utilizada pelo coronel Certorio, partia de sua sede atravessa o rio na dividia de sua fazenda com fazenda do coronel Tiburcio. O trecho mais longo até atingir o perímetro urbano de Bom Jardim estava situado na área pertencente ao coronel Tiburcio. Obrigatoriamente ele teria que passar por ali pisando as terras de seu inimigo, não havia alternativa. Esse sempre foi o fator que mais motivou as discórdias históricas, entre os coronéis, desde o tempo de seus ancestrais. Desavenças causadas à maioria pela familia Vilela. Provocando no coronel Certorio uma obsessão doentia pelas terras do seu rival.
Naquela fatídica tarde Para o coronel Certorio, depois de tanta frustração, de volta à sua fazenda, o trecho daquela estrada pareceu-lhe ainda mais longo, seu desejo era cuspir naquele chão e nunca mais pisar ali. Para não ter que se lembrar daquela pirralha que o humilhou. Mas ao chegar à ponte do rio na divisa de suas terras, seu ódio triplicou o desejo de vingança. Lá estavam as três montarias ancoradas, na entrada da ponte. E seus capangas amarrados, uns aos outros. Barba Ruiva, Juca caveira e Pedro Banguela. Assim que o cocheiro esbarrou os animais na  entrada da travesia, para desobstruir a passagem e o coronel deitou os olhos nos três rolando pelo chão, amarrados do pescoço aos pés. Tomou o chicote das mãos de seu cocheiro, e saltou da carruagem, quando o suspendeu para desferir a primeira chibatada naquele bolo humano. Seu filho Nicó o abraçou por traz e segurou o chicote;
-- Tá ficando doido meu pai isso nun se faz, desafiar e medir força com esse tipo de pessoas ta assinando atestado de óbito. Esquecestes quantas mortes cada um carrega nas costas?
--Se acalme coroné vosso fio tem razão, vamo libertá os home, iscuitá o qui os treis tem mode contá a dispois, coroné arresorve o castigo qui vai dá preles, sorta vosso pai Nicó, el ta mais Carmo numa ta coroné?
Obedecendo ao cocheiro, Nicó abriu os braços o libertou e devolveu o chicote ao cocheiro. Acomodou o pai na carruagem. Em seguida desatrelou os três capangas. Desidratados de corpos endurecidos e empolados, pelas picadas de mosquitos e formigas, tiveram que ser massageado um por um para que conseguissem se locomover, levantar subir na carruagem, nenhum conseguiu montar seu cavalo, Nicó assumiu o comando da diligencia e o cocheiro seguiu conduzindo as montarias Atravessaram o rio rumo à sede da fazenda Morrinhos. Nessa altura dos acontecimentos o coronel emburrado, permaneceu calado na carruagem, em todo o trajeto e desceu mudo ao chegar a casa. Remoendo seu ódio. Ele decidiu deixar para o dia seguinte o proseio com seus três jagunços.

 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 31/07/2017
Reeditado em 11/08/2017
Código do texto: T6069915
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