O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 7º EPISÓDIO




Nada melhor que um dia após outro, para que a vida siga seu curso com normalidade. Indiferente ao ódio letal nutrido pelo coronel Certorio. Sua fazenda amanheceu Idêntica a uma noiva vestida de branco a caminho do altar. Coberta por um véu, de uma densa neblina. Não se via quase nada além de dez metros à frente. Tudo envolto por um lençol branco transformando a paisagem numa gigantesca tela. Como pano de fundo as silhuetas disforme dos morros, que deram nome a propriedade. Atrás daquela cortina branca, ganharam aparência de gigantes madornando no leito da terra.
Nicó o filho do coronel, imaginando que o capataz amanhecera sem ação, saltou da cama antes de todos. Foi até a senzala e deu ordens aos escravos, para que cada um cuidasse de sua tarefa diária no trabalho. Seguiu até o alojamento encontrou Barba ruiva já de pé, dando ordens a Juca caveira e Pedro banguela, prontos para suas tarefas no curral pelo qual eram responsáveis. Mas como a prioridade do momento seria a oitiva ao coronel, ele os advertiu:
-- Se voismiceis tem pretensão de continuar prestano sirviço aqui, inhantes de mais nada, vai contá a história que voismiceis tem pro coroné. Ninguém vai arredá pé fora, sem ispricá tudo bem ispricadinho, se tão pensano quel vai dexá barato, vai não, pode tirá o cavalo da chuva. Butá as barba de môio, qui coroné ta uma fera butano fogo pas venta e pra tudo quié buraco, e oía ta quereno vingança!
Antes de terminar a prosa, apontando com o dedo indicador para a casa grande, ele diz:
- oia lá, ieu nun disse, ele tá chamando, vamo até lá, cada um pega sua pistola e o cinturão Ca munição, quele pode querê cunfirí e quem sabe inté memo dá a voismiceis otra impreitada agora inhantes de tudo.
. Atenderam ao chamado do coronel, acompanhados por Nicó, os três entraram na sala da casa grande e disseram todos ao memo tempo:
- Bão dia coroné!
-- Bão dia só se fô pra voismiceis, pruquê pramim dispois do fracasso de onte, vai tê mais bão dia coisa ninhua. Inquanto ieu num vingá a humilação qui voismiceis mim fizero sofrê.
Pode butá as pistolas inriba da mesa e a munição tumém. Nun quero nem sabê o acunticido de onte pra ieu nun sofrê mais giriza. Inhantes de tudo Ieu vô da pra voismiceis ua derradera impreitada, só dispois de cumpri ela, a gente vai prusiá a respeito do cunticido-, vô dá intè amanhã de tarde pamode voismicê Barba Ruiva; mim trazê a cabeça daquela mardita fia do coronè Tiburcio. Só dispois disso é qui nois prusêia, cambada de imprestáve!
-- Oia coroné o respeito qui nois tinha pur voismicê acabô onte na hora qui nois tava os trêis amarrado e se num fosse vosso fio nois tinha apanhado de voismicê inté breiá as ropa. Sumo nois qui vai dá upurtunidade pro coroné, pudê cuntá cus nosso sirviço. Se voismicê quizé a cabeça de fia de coronè Tiburcio qui vai voismicê lá cas suas propras perna mode buscá.
-O qui tem aquela mardita qui tumô o boi pretête inda dexô voismiceis marrado cas propras cordas qui levava?
-- Intonse coroné mudô a idéia? Inda agora diz qui nun quiria sabê o cunticido?
-Conta logo a historia Barba Ruiva, quem ta doido pur sabê é ieu! Dispois do espetáculo quela deu onte ieu tô de idéia mudada a respeito dela. Quero sabê donde vem à força quela tem, capais de infeitiçá um boi infezado, só pode cê de sua furmusura, é bunita Dimais da conta aquela danada, inté o chão inredor dela fica imbelezado! Meu pai num vai tê a cabeça dela mais é nunca, ieu num vô dexá. Se El quizè i lá in missão de paz pode i. Já tá mais qui na hora da gente sepurtá essa briga da famía vilela cus Montenegro, qui invem desdo cumeço do mundo. Rangendo os dentes de tanto ódio o coronel retrucou:
-- Nico ieu vô fazê de conta qui num iscuitei voismicê dizê essa burrice, nuca mais diz um trem assim, é mais face ieu isquecê qui tu é meu fio E te diserdá, nem dispois de morto, num aceito voismicê mim afrontá quessa sem vergunhice, sô capais de inté de sai de dento do caxâo donde ieu fô interrado e corta seu pescoço, cas minhas propras prunode tu num chegá perto daquela raça!
Tudo bem meu pai num tá mais puraqui quem falô!
Tremendo de ódio com prosa do filho, o coronel quase sofreu um infarto e o ameaçou de ser deserdado e até o jurou de morte caso ele lavasse a idéia avante.
Mas de fato Nicó estava de coração balançado desde o momento que assistiu Dusanjo toda gentil e graciosa contornar a situação no o circo, fazendo com o boi pretête o que se faz a um cãozinho de estimação, livrando Cem-cem de suas garras. Ele que até então não conhecia a filha do coronel, se encantou com ela. E não cansava de imaginar perguntando a si mesmo-, que menina moça é essa, cuja beleza é capaz domar um boi furioso numa arena de circo?
Nicó era filho único, e igualmente ao pai, era viúvo, tinha o dobro da idade de Dusanjo, casou muito jovem e perdeu a esposa e a mãe ao mesmo tempo. Quando as duas retornavam da cidade para a fazenda Morrinhos, como na época ainda mão havia a ponte, ao atravessar de canoa, ambas foram sugadas pela volumosa enchente, sendo encontrada uma semana depois, a duas léguas rio abaixo. Desde então Nicó ficou mexido com a brutal perda das duas pessoas mais importantes de sua vida. Essa tragédia o fez refletir sobre a vida, que pouco representa diante do destino. E quão importante é a harmonia vivenciada em sociedade. Percebeu que não vale à pena cultivar as discórdias produtivas do ódio que se tornou históricas entre gerações que o antecederam.
Muito nervoso coronel Certorio, examinou as armas de seu jagunços:
-- Que qui voismiceis fizero das balas, as treis pistola vazia, e o cinturão taném? Qui fizero de tanta munição inda acabou amarrados cas minhas propias cordas qui levava?
--A gente gastou tudo nu infrentamento cuns cavalero avuadô qui desceu inrriba de nois coroné!
-- Bão intonse ieu arrisurvi nun quiria tumá tento do cunticido, inhantes de tê a cabeça da bruxa mardita, ma agora ieu quero sabê, qui diabo de cavalero avuadô qui voismiceis invetaro, mode me inbromá cu vosso fracaço!
--Oia coronè né imbromação nun sinhô, é coisa dotro mundo,quando nois atravessô rio intrô no chão de coronè Tiburcio a fia dele tava na berada da istrada, o boi quando viu ela virô foi o cão num demo conta de sigurá, ma dijeito ninhum iscapuliu de nois, correu pro lado dela virô pu nosso lado paricia cu diabo bufuno e rapano cas pata no chão, cavacano terra, discarregamo as pistolas no mardito as bala pegava nele e caía no chão iguá pidriguiu. Quando nois carreguemo as arma cas derradera bala qui tinha de resto, deceu um ridimunho intrimeio nois o boi e fia de coronè era treis cavalo de asa cum treis cavalero cas ropa lumiano quinem o sor, nois discarregô o resto da munição no peito deze, ma a gente iscuitava só um zumbido cas bala vortano e zunino nusuvido da gente. Ez decero dos cavalos tiro as corda do boi impelotô nois treis e amarrô o resto da madrugada intè na hora qui coroné chegô as furmiga mais as muriçoca feiz festa inrriba de nois. De modo qui se coroné querê nosso sirviço tamo as orde, nun seno pra i pras banda de coroné Tiburcio qui pra lá nium de nois treis num vai mais nem amarrado.
-- Purinquanto voismiceis fica cumu tava vai cuidá do vosso sirviço, inté ieu arresorvê quem me trais a cabeça daquela bruxa mardita num pensa qui disisti, pruquê num vô memo!


( ILUSTRADO   COM  IMAGEM DO GOOGLO)









 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 07/08/2017
Reeditado em 07/08/2017
Código do texto: T6076398
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