O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 14º EPISÓDIO

Durante o almoço fingindo não saber de nada, mas sabendo de tudo Inácia perguntou ao coronel:
-Uai o coroné hoje saiu cedo nem quebrô jijum? Quando percurei mode sabê qui quiria cumê, bastião falô qui tinha saído inhantes do sor raiá!
-- Pois é Inaça tava um calor do inferno, ieu acabei nem ino pra cama drumi na varanda memo, num vi nem quando Barba Ruiva mais osotros chegô, num dei pru fé de nada!
--Se chegô ieu num sei coroné, nem buliro nas panelas, do jiitinho queu dexei o de cumê pra quando eze chegasse, amanheceu, a cumida ficô do memo jeito, nem foi bulida.
O coronel logo deu um jeito de mudar o rumo da prosa:
--voismicê Inaça fais aí um prato de bóia qui vô levá pro Terenço lá aberano o rio arrancano as mardita erva, qui há miudinho mata ua reis. Prato não pode butá num carderão, fica mió praeu levá na cabeça da sela. E quando bastião vosso marido vim cumê fala cuele mais Isidoro pra cuidar da apartação das vacas, qui num tá teno quem fais issai hoje não. Ieu só vorto aqui de noite. E Nicó, ieu num sei onde se infiô!
-- Nicó coroné foi pra cidade, ia isqueceno de avisá pru sinhô, êl pidiu ieu pra contá, diz quitá resorveno negóço de herança qui ta recebeno do falicido pai de sua difunta isposa. Má ta bão coroné voismicê vai cum Deus ieu dô o recado pru bastião sinhô sabe qui nele pode Cunfiá. Bastião cuida bem do vosso interesse, apesar qui de veiz e quando argum cativo ta inté amolano ele purisso dizeno qui tá é sabucano voismicê, ma né isso não ele é memo cuidadoso cas vossas coisas e num gosta de nada marfeito.
O coronel montou seu cavalo e retornou ao local onde dentuço improvisava aquele funesto crematório. A cabana estava repleta de palhas e lenhas secas, ele deixou os derredores despidos de tudo que era capim, arbustos e gravetos secos e verdes limpou tudo:
--Voismicê feis um bão trabaio Dentuço, ma o qui ta isperano qui num arribô fogo nisso achei qui chegava aqui num ia mais sabê qui meus treis mió capitão do mato tivero aqui e tudo num passô dum sonho in noite mal drumida!
--Coroné ieu achei mió dexa pra boquinha da noite ieu prumiti pro veio Miro qui votava lá prá nois prusiá ieu insiná El fazê muqueca de pexe, assim qui ieu butá o fogo ieu dêço rio abaixo amanhã vorto cedo pra ajeitá meu isconderijo novo. Ali mais imbaxo tem ua loca de pedra ta no jeito deu morá é só ajeitá ua porta de pau ta bão dimais; a dispois coroné, fogo aqui nessasora é pirigoso dimais voismicê numa acha? Além do pirigo de quemá esses matos pai afora tudo, pode argum barranquero querê vim aqui mode sabê quitá acunteceno.
-- Voismicê tem razão é isso memo, mais agora come qui saco vazio num para impé, ieu vô deita na sombra e tira um cuchilo a dispois nois vamo prusiá, mode vê que rumo vamo sigui daqui pra frente.
Enquanto isso lá na sede da fazenda era intensa a movimentação das escravas. Inácia mais duas mucamas suas netas cuidavam dos afazeres da casa as outras estavam lavando roupas, salgando toucinho, apurando sabão preto, socando barrileiro, torrando café, ralando mandioca para farinha. De repente bastião grita Inácia:
-- Ôoh Inaça Terenço tá persisano tê um dedo de prosa cum voismicê, vem cá no currá, quel tá mei afobado!
-- Boatarde Terêncio voismicê chamô, cunteceu arguma de errado cum coroné?
--Boatarde inaça, de qui coroné voismicê fala, fais tempo qui num vejo coroné. Vim aqui mode pidi sua ajuda pra se coroné pirmiti voismicê dá um pulo lá incasa mode benzê o os purquinhos nascidos semana passada. Teve um mardito do zóiu mau qui butô quebranto nos bichinho tão tudo lá rolando no chão do chiquero, se nun fô binzido vai morrê tudo.
--Oia Terenço nu carece dieu i lá não, vamo lá cuzinha mode eu pegá as brraza do fogão ieu rezo daqui memo i vale do memo jeito, num sô ieu qui cura não quem cura é Deus!
-- Ma me diga ua coisa voismicê num tá arrancano erva pru coroné lá berano o rio não? Ele saiu levano o de cumê num carderão dizeno qui voismicê tava arranco erva lá pas banda do rio, e qui só vortava aqui de noite!
-- O coroné ta é caducano, ieu prumiti pra ele na verdade, mais é pra lua minguante, tamo na lua nova e rancá ervam na lua nova num adianta nada, ela vem cum o dobro de broto novo dispois.
Inácia botou as brazas numa cuia d’água afundou as três, ela fez uma oração elas vieram à tona boiando uma por uma, seus olhos começaram a marejar de lágrimas e ela, ficou sonolenta abrindo a boca sem parar, como tivesse varias noites sem dormir. Bocejando ela disse ao Terenço:
-- Voismicê vai cum Deus, qui seus purquinhos tão curado, amanhã ieu benzo de novo, se as brazas num afundá é sinar qui num carece mais de binzidura. Terenço voltou ao seu sitio, seus porquinhos estavam de fato curados.
Situado a margem de um riberão espremido entre as terras do coronel Certorio, seu pedaçinho de chão não escapava dos maus olhados de pescadores invejosos que passavam por uma trilha rente ao seu chiqueiro. Não raras foram as vezes que Terenço recorreu às benzeduras de Inácia livrando seus porquinhos dos maus olhados. Ele sempre trabalhava para o coronel complementando sua renda familiar. Foi o único que escapou à ganância do coronel nas investidas forçando os demais sitiantes seus vizinhos a lhe vender suas pequenas glebas de terras. Diziam as más línguas que por trás disso tinha algo mais. Um romance entre o coronel e a mulher do sitiante. Que fazia vista grossa. Enquanto lhe prestava serviço na fazenda o coronel Certorio visitava sua mulher no seu sitio ribeirinho.
De manhã quando afirmou a Inácia que levaria a bóia a ele arrancando erva e que só voltaria à noite, ela logo comentou com o Bastião sobre o boato do suposto romance:
-- Voismicê num vai prusiá cas mucamas nem cum ninguém nada disso cus povo fala inaça, se coroné toma tento dessa prosa manda nois pro tronco. Ieu num tô mais rizistino chibatada quessa idade qui tô, sô capais inté de morrê.
Mas a pendência daquele dia era completamente diferente, depois roncar dormindo resmungando e rangendo dentes por mais mai três horas seguidas, ele acordou banhado de suor, a sombra da copaíba que de manhã tivera fresquinha uma delicia, alongou-se na direção do rio, o deixando a mercê do sol escaldante. Levantando mais vermelho que pimenta malagueta madura. Mais suado que uma tampa de marmita quente, bastante mal humorado, ele gritou pelo nome de dentuço que finalizava a construção de seu novo esconderijo, a cerca de cem metros abaixo na tal lapa de pedra de um sangradouro, bem a margem do rio. Uma obra de arte esculpida pela natureza através das enchentes e a ação do tempo.
-- Pruque voismicê num me chamô, dentuço? Ieu intempo de morrê dirritido no sol e voismicê nesse pralá pracá, parece inté qui num tem zóio na cara!
--Óia coroné ieu num tô pralá pracá nunsinhô desde qui voismicê deitô aí, ieu num vortei mais aqui, pra num atrapaiá vossa forgança. Ieu tava lá arrematano o cá natureza cumeçô, ua berezura de lapa, vai lá mode vê a maravia de iscunderijo. Dá preu vivê forgado se num tivé inchente!
--Tá bão ieu acordei meio aperrado, voismicê mim discurpa. Mais tá ficano tarde o sol já farta poco pra i simbora ieu tumém tem de i, se Nicó num vortô da cidade, lá só tem iscravo, os treis home qui arrisurvia tudo pra mim tão ali isticado dibaxo daquele mundão de paia seca, nois vamo fazê o siguinte, voismicê num percisa isperá a boquinha da noite, mete fogo na cabana, agora memo. Lugá pra drumi voismicê já tem, manhã ieu vorto, a dispois do armoço mode nois cumbiná pra voismicê fazê o memo qui Barba Ruiva fazia: tumá conta dos iscravo i lidá cum gado. Quero qui mim dá cubertura tumém, voismicê tem qui cê cumo foi o Barba Ruiva, um capataz de cunfiança e honesto, cuidano bem do interesse da gente.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 11/09/2017
Reeditado em 17/09/2017
Código do texto: T6110691
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