O SONHO DE UM CORONEL MACHISTA 24º EPISÓDIO

Maricota entra na cozinha trazendo nas mãos uma bela colcha de lã tecida com o formato e as cores do arco Iris, mais uma de suas obras de arte, sendo ela uma exímia artesã tecedeira:
-Aqui minha fia mais uma peça do seu enxoval, tá quase tudo pronto, pode cuidá de arruma o noivo, qui a minha parte ieu garanto!
Que linda mamãe, a senhora é mesmo uma grande artista, vejam minha gente que coisa mais bela! Abraçando-o e a enchendo de beijos ela afirma:
- A senhora é a melhor mãe do mudo, também não acham pessoal? E mal sabe a senhora que o noivo esta a caninho, o padrinho tá La fora hospedando o filho do coronel Certorio, e tão dizendo pó ai que ele está apaixonado por mim, veja minha gente como o mundo da suas voltas um Vilela casar com uma Montenegro, mas isto não vai ser possível é nunca!
-- olha Dusanjo ieu inda num te contei, o fio do coroné Certorio teve aqui prusiano cum Tiburcio semana passada, se nun tivé de fingimento, parece qui tá quereno butá um ponto finar nessa briga de famia, vosso pai e ieu sintimo firmeza na prosa dele. Tumém quiria prusiá cum voismicê e fico de vortá, só nun pricisava de vim tão dipressa cumo veio, ma vamo lá recebê o moço iducação sempre é o mió caminho, dexa essa massa aí cum Maria Teresa mais Inhá Chica vamo lá inté qui Tiburcio vorte do campeio.
As duas dirigiram para a sala de visitas onde se encontravam Nicó e Prudêncio. Quando entraram na sala, o filho do coronel Certorio quase perdeu o sentido, ao ser cumprimentado o calor da mão de Dusanjo tocando a sua quase o deixou sem fôlego.
-Bom dia, ou melhor, dizendo boa tarde, já estamos no entardecer não é mesmo?
-- Boa tarde sinhurita Dusanjo-, boa tarde dona Maricota, sinhora mim a discurpa dieu vim assim tão dipressa dispois da prosa qui nois trocô na semana, in qui ieu fiquei de vortá.
-- Tudo bem sinhô Nicó vino in pais a gente recebe cum prazê, voismicê aceita uma água um café até armoço quem sabe saiu muito cedo e inda nem armuçô!
--Brigado, ma vô querê é só água memo! Dusanjo rapidamente lhe serviu água mais uma vez ele sentiu o mundo fugir aos seus pés diante dos encantos daquela deusa! Prudêncio pediu licença para sair:
--Intonse se voismiceis me premite ieu vô La cuidá de mimosa, parei o sirviço no seu istábo mode atendê o moço. Ela hoje inté parece qui tá divinhano quarqué coisa qui vai acuntecê. Ta meia sem sussêgo num quis cumê!
--Vai sim padrinho ela merece todo cuidado!
-- Quem é mimosa, arguma iscrava duente?
--Não, mimosa é uma vaca bem velhinha mãe do boi pretête, foi dela o primeiro leite com o qual eu me alimentei no dia em que nasci, é praticamente minha mãe de leite. Agora velhinha sem forças, precisa de um tratamento diferenciado, nós cuidamos dela.
-- Qui trem bunito qui voismiceis faz pur uha vaca pode caçá isso no mundo intero qui num vai achá quem fais nem pus iscravo qui muitas veis inveieceu no sirviço dano lucro pro seu dono. Num pricisa i longe, coroné Certorio memo de quem ieu teve a infilicidade de sê fio, é um qui num tem coração e dexa seus iscravo morrê a míngua.
-- Vosmecê não deveria referir ao pai desta forma, afinal ele seu pai deve ser respeitado, não achas?
-Meu pai tem é uha pedra no lugá de tê curação sinhurita Dusanjo nun merece respeito. Nesse ínterim o coronel Tiburcio entra na sala:
-- Boa tarde senhor Nicó seja bem vindo me discurpe te fazê isperá, ma tava juntano uns boizinho qui vô intregá mais tarde e acabei atrasano pur dimais.
--Ieu coroné qui tem de pidi discurpa pru atrapaiá vossos prano, vim pra gente prusiá e formá os laço de boa vizinhança, fiquei muito filiz de prusiá cum vossa isposa i vossa fia, qui im poco tempo me deu uha lição de vida, é a sigunda veis qui ieu, sinto uha paiz qui num tem nem jeito de ieu ispricá dotro veis qui tivi puraqui e agora. Ah cumo ieu quiria tê uha pais dessa lá na fazenda morrinho! Má meu pai só curtiva ódio cumo é qui vamo coiê filicidade. Inquanto aqui tudo mundo tem valor, inté as criação são bem cuidada, lá é só mardade chibata e mardição.
Maricota pediu licença e voltou à cozinha. Nicó Dusanjo e o Coronel tiveram uma longa conversa, a respeito daquela má querência histórica entre as dua famílias. Ela com seu vocabulário correto, o pai no seu linguajar caboclo, mas tolerável. E Nicó com sua prosa matuta contando em detalhes tudo que ocorreu após sua visita, inclusive o ódio do pai pela desobediência da Inácia que o acompanhou. Afirmando que provisioramente ele administrava a fazenda do pai, mas sabendo que tudo o que estava acontecendo era fingimento dele e que em breve tudo voltaria como antes e o coronel Certorio o expulsaria sem dó nem piedade.
Maricota retornou a sala e os convidou para a merenda da tarde o costumeiro lanche do meio dia que, aliás, atrasara, pois já eram duas horas da tarde. Horário de jantar nas fazendas. Nicó embora otimista com a prosa bastante frutífera recusasse meio acanhado, mas Dusanjo o surpreendeu apanhou-o pela mão e o conduziu até a copa puxou uma cadeira e o fez assentar puxou outra e assentou ao seu lado. O homem ficou sem ação, aéreo perdeu a fome e razão, imaginou que acabava de entrar no paraíso, o coronel e a esposa tomaram seus lugares, Prudêncio e mais uma meia dúzia de escravos também se assentaram à mesa, Maricota puxou a oração do pai nosso. Todos acompanharam. Terminado aquela mini refeição servida por Inhá Chica e a mucama Maria Teresa foi à vez de Dusanjo louvar a Deus agradecendo o alimento que tiveram. Nicó emocionado tentou, mas não conseguiu segurar e duas lágrimas rolaram em seu rosto, foi quando a jovem pediu licença aos pais e apanhando uma toalha que estava no ombro de Maria Teresa enxugou o seu rosto. Ele jamais em toda a sua existência tivera uma acolhida tão grande, e o carinho de uma deusa que tinha metade de sua idade. Para quem foi criado numa cultura aonde só se namorava a distancia sem se tocar olhando a pessoa amada pelo buraco da fechadura, com os casamentos negociados pelos pais, aquele gesto foi como um sonho irreal. Ao se despedir Nicó estava convicto que se preciso fosse romperia com o pai, mas afastar dos Montinegro jamais:
--Intão coroné Tiburcio ieu nem sei o qui dízê pra voismicê, cua sua famia ieu in toda a minha vida nunca fui tratado cum tanto carinho, só minha mãe qui Deus levô junto cum minha isposa qui tivero cumigo essa ternura qui vossa fia Dusanjo teve inxugano minhas lagrimas. Meu pai só vive humilhano dizeno qui home num chora, ma ieu sempre digo pra ele, voismicê meu pai num chora pur num tê curação tem é pedra no lugá dele. Mim discurpa Dusanjo pur ieu num sabê fala bunito cumo voismicê fala, cuas palavra tudo cirtinha, mais ieu vô tentá miorá mode a gente prusiá, cua pirmição do vosso pai é craro.
--Tudo bem Nico o seu valor não está na sua língua ele está na sua alma se no seu coração, fique tranqüilo siga em paz, vou falar com minha madrinha Inhá Chica sobre a Inácia irmã dela, conforme recomendastes, ela vai ficar super feliz sabendo que tudo mudou por lá graças à vosmecê.
A semana chegou ao fim Venâncio e o boi Pretête não mais se viram, entretido na fabricação de rapaduras sua rotina foi da palhoça do Velho Miro, para as taxas, e vice verso. Aquela semana foi de descanso para o boi pretête. Um alivio para o pistoleiro que fugia dele como diabo da cruz.
Com o movimento de entrega de bois para o charque ele nem percebeu a visita de Nicó à fazenda Bocaina, aliás, os dois nem se conheciam, ele só soube de sua visita anterior através da mucama que o reconheceu ao procurar pelo Prudêncio.
Sentindo-se meio deprimido com seu segundo fracasso na tentativa de envenenar o boi ele pensou em dar o bolo no coronel Certorio no dia seguinte domingo, mas durante a noite mal dormida desistiu. No dia seguinte ouvindo o conselho do velho Miro, assim que quebrou o jejum com o café da manhã, embora não sabendo rezar dirigiu a capela dos arcanjos. Entrou e ajoelhado em um banco onde estava uma robusta mulata cor de café com leite, mais café do que leite. Ele fingindo estar rezando notou que a mulher não redava os olhos dele. Meio sem jeito esperou que ela saísse o que não aconteceu. Aqueles poucos minutos ali, sendo observado pela estranha pareceu-lhe uma eternidade, decidiu sair, mas ela o acompanhou:
-- Hei seu moço voismicê num tá mim ricunhiceno?
-- Ieu num tô sinhora ondé qui nois já se vimo?
--Na casa de nosso pai Venâncio o qui voismicê tá fazeno aqui home, vem cá dá um abraço, ieu sô sua irmã criatura!
--Voismicê é Isaura a urtima veis qui tivemo junto foi inhantes do disastre criminoso qui cabô cua vida de pai mais de mainha, e voismicê era magrinha, numa era forte cumo tá agora.
--Pois é tô gorda memo ma cum saúde e tô filiz, Maneco é um marido danado de bão, coroné gosta muito dele no trabaio da lida cum o gado.
-Ieu tumém tô muito filiz aqui trabaiano cua fazeção de rapadura, i acho qui tão gostano de mim tumém!
--Ah qui bão intão é voismicê qui Prudêncio teve cuntano pro Maneco qui tá seno o mió Taxero qui coroné contratô.
--Voismicê já mudô de vida, tanto qui mainha sofreu, rezô e pidiu a Deus pro voismicê será qui valeu?
--Ieu tô pelejano mana, ma tá difici qundo ieu alembro da covardia qui fizero quemano painho e mainha o meu curação enche de ódio ieu só penso in matá o tive na frente.
-Oia ma pelo amor de Deus e de nossa santa mainha, voismicê controla essa mania i num vai aprontá nenhum tipo de aperreio, qui cumo voismicê taveno todo mundo tem a proteção de Deus até voismicê cum tantos crime na cacunda veio aqui rezá, i fique sabeno qui foi Deus qui te troxe aqui na capela dos arcanjos.
--Ieu vô te pidi ua coisa Isaura, voismicê numa conta, nem pro vosso marido qui nois semo irmão, fais isso ieu priciso de sua ajuda, as dispois voismicê vai sabê o mutivo e vai vê qui tô certo. Ieu poço cuntá cua sua ajuda?
-- Pode sim má cuidada num vai fazê nada errado aqui cum a famia do coroné Tiburcio qui esse povo é tudo abençoado pur Deus e as mardade qui o zoto tenta fazê cuese custuma virá o feitiço contra feiticero. Voismicê divia apresentá cumo meu irmão e vim morá cumigo mais Maneco, coroné vai muito filiz sabeno disso.
- Voismicê Isaura, ispera mais um tempo inté ieu arresorvê, uhas coisa dispois ieu te prometo cagente vai sê muito filiz junto, pur inquanto num pruseia dizeno qui móis é irmão, fais de conta qui num qui tô morano cum veio Miro.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 10/11/2017
Código do texto: T6167592
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