*O Irmão desastrado

O que é, o que é?

Naquela gleba de terra, onde hoje se encontra encravada a cidade de Dirceu Arcoverde, no sul piauiense, nos limites com a Bahia, era antes o povoado Bom Jardim, pertencente ao município São Raimundo Nonato, terra de meu pai.

Nos idos de 1974, eu fui realizar um trabalho na antiga estrada PI-05 e fiquei, por alguns dias, hospedado numa pensão, ao lado da citada rodovia. Mais, por mérito de nossos hospedeiros, as pessoas vizinhas foram se achegando a nós.

Naquele tempo, as pessoas ainda tinham o costume de se reunirem numa grande roda, à noitinha, à porta de suas casas, para contar causos, bater papo e brincar de adivinhações, algumas dessas de duplo sentido que, por vezes, chegavam a deixar muitos dos presentes embaraçados, a exemplo de:

“O que é, o que é, lambeu, lambeu e em seu buraco meteu...?”

“O que é, o que é, que tua mãe dá para outro homem, só não dá ao teu pai...?”

Para a primeira pergunta, a resposta é ‘a linha no furo da agulha’ e, para a segunda. a resposta é ‘um filho para afilhado’.

Frequentava, também, esta mesma pensão um rapaz de São Raimundo Nonato, chamado Rômulo, que ia todos os fins de semana a Bom Jardim, para ver a namorada, cobrindo, assim, uma distância de 48 quilômetros. Ele chegava sempre aos sábados à tarde e retornava na segunda-feira, às primeiras horas do dia. Ele era mais um dos que se reuniam para as fofocadas da noite.

Rômulo tinha um irmão de 20 anos, chamado Rino, a quem as moças da localidade eram doidas para conhecer. Viviam pedindo a Rômulo que o levasse até lá, mas o rapaz evitava fazê-lo, pois sabia que isso lhe causaria problemas.

Qualquer pessoa que conversasse com Rino por dois minutos, veria logo que ele era diferente, para não dizer destrambelhado. Vez por outra, aprontava embrulhadas, das quais não conseguia sair sem causar constrangimentos. Até o Padre Roque, um italiano muito bom de bola, que refizera com imenso sucesso o time da cidade e era querido por todos, já havia sido vítima de suas trapalhadas.

Era claro que Rômulo não se envergonhava do irmão, amava-o muito, mas a probabilidade de ele provocar uma confusão era grande. Apesar disso, foi, aos poucos, tentando convencer o irmão a ir com ele a Bom Jardim num daqueles finais de semana. Mas para isso, ele teria que se comportar bem, não se meter em aventuras e nem responder apressadamente as perguntas que lhe fizessem.

E embora Rômulo tivesse feito de tudo para protelar aquela visita, o grande dia, finalmente, chegou. E por desgraça da sorte, eu estava lá.

Quando eles chegaram a Bom Jardim, as moças que aguardavam ansiosas pela visita, no afã de serem notadas e, quem sabe, escolhidas para namoro, ao serem apresentadas ao rapaz, sentiram uma grande decepção, pois não era exatamente aquilo o que elas esperavam encontrar. Apesar de ser bonito e elegante, o rapaz tinha a voz rouca e, certamente, um parafuso a menos na cabeça. Todavia, se enturmaram logo.

Naquela noite, na grande roda noturna das brincadeiras, apareceu muito mais gente do que o normal. Rômulo tratou de sentar-se ao lado da namorada, mas manteve o irmão no lado oposto, para poder brecar-lhe alguma intervenção que ele julgasse perigosa. Aquela era, sim, uma missão ingrata e quase impossível de dominar, pois, afinal, todos queriam conhecer as espertezas do rapaz.

Perguntas e respostas eram dadas com aplausos de todos naquela bela e perigosa brincadeira, até que, uma hora, mandada talvez pelo diabo, uma das moças perguntou diretamente:

– Rino, se você sabe, responda: O que é, o que é, comprida, dura e não é de osso, tem um buraco na ponta, muito cabelo no pé e quem gosta dela é mulher?

Eu confesso que gelei. Prendi a respiração. Eu não sabia da resposta, mas senti que ia causar desconforto!

Vixi...! Todos os esforços de Rômulo foram por água abaixo, num piscar de olhos! E, para complicar, todas as moças estavam rindo muito da impetuosidade do rapaz que se levantou apressadamente, para dizer que sabia, sim.

E ele respondeu, assim, ‘na bucha’, ou, como se diz, ‘na lata’, sem dó nem avaliação, sem medo e sem delonga!

– É uma vassoura!

– Bravo...! – gritaram todos de alegria, enquanto Rômulo suspirava de alívio.

Muitos aplausos, muitos risos. Finalmente, o rapaz pode se manifestar com sabedoria na cultura cabocla, afinal, não fora um pergunta simples, precisava de um raciocínio rápido.

Quando os risos estavam cessando, Rino levantou-se e disse novamente com sua voz de taquara rachada:

– Eu sei porque vocês estão rindo desse jeito. Vocês pensavam que eu iria dizer que era um ‘falo’...! (é claro que Rino não usou esse substantivo e sim, outro, muito mais chulo e vulgar)

Nesse instante, fez-se um silêncio macabro. Foi um daqueles momentos em que se procura um buraco para enfiar a cabeça com corpo e tudo e sumir. Uma situação de desespero total. As pessoas foram saindo devagarzinho, despistando o desconforto.

Rômulo e Rino retornaram para casa nas primeiras horas do dia seguinte. O namoro que estava bem alicerçado, segundo se pensava, ruiu-se e pra mim restou uma lição de vida, de que, grandes amores nem sempre resistem a pequenas tempestades.

Eu estava lá, vi e conto.

São coisas de minha terra.