*O fantasma da ponte

O Fantasma da Ponte

Estimava-se para Teresina, no final da década de 60, uma população de 220 mil habitantes. Era uma cidade extremamente pacata. Havia ocorrência de homicídios em níveis baixíssimos e, quando aconteciam, deixava-nos apreensivos por muito tempo. Era comum andar-se a qualquer hora da noite, para qualquer lugar, sem o menor incidente. Mesmo na zona do meretrício, onde o maior foco era na rua Paissandu, os desmandos eram promovidos apenas por pequenas arruaças.

A Ponte Metálica sobre o rio Parnaíba fora inaugurada no final de 1939, para a passagem de composições da Estrada de Ferro São Luís-Teresina. Por ela, passavam duas composições por dia: uma às 5h, saindo de Teresina, e a outra às 21h, chegando de São Luiz. Isso quer dizer que, durante o resto do dia, a ponte era apenas decorativa.

Foi na década de 60 que construíram um lastro de madeira, com guarda-rodas e guarda-corpos, que possibilitou o tráfego de veículos nos dois sentidos, graças à ajuda de um semáforo manual, dirigido por operadores que se comunicavam via telefone direto. Isso porque a pista era de mão única.

Certa noite, vesti uma bermuda, calcei sapatilhas e, como o calor estava muito grande, coloquei uma camiseta ao ombro e saí caminhando despreocupadamente pela rua Clodoaldo Freitas, rumo ao rio Parnaíba, mas no sentido da ponte metálica.

Existem coisas que realmente não se explicam. Como bem me lembrou, recentemente, o Poeta Jota Garcia, num adágio nordestino: “Boas Ave-Marias faz, quem em sua casa fica em paz”. Eu não tinha motivo nenhum para sair de casa àquela hora. Recordo-me de ter ouvido o apito do trem que vinha de São Luiz, portanto, já passava das 21h.

Quando cheguei ao Posto Fiscal, que dava entrada para a ponte, havia um caminhão carregado de cebolas, aguardando o semáforo abrir. Segui, então, para a ponte que estava bem iluminada. Quando passei pelo primeiro pilar da primeira torre da ponte, algo muito estranho e praticamente impossível aconteceu. O caminhão de cebolas me alcançou e vinha com luz baixa. Nesse mesmo momento, vi outro caminhão se dirigindo no sentido Teresina, a menos de quarenta metros, com os faróis apagados. Vinha serpenteando na pista estreita, como se o motorista estivesse dormindo. Os dois motoristas dirigiam como se um não estivesse vendo o outro à sua frente. Peguei a camisa do ombro e fiz sinais violentos, avisando do perigo, pois era visível que os dois carros iriam se chocar sobre a ponte. Os sinaleiros não poderiam ter dado passagem ao mesmo tempo para os dois veículos. De súbito, o motorista do caminhão de cebolas avistou o outro e, imediatamente, acionou a buzina e os freios, fazendo ecoar, por toda parte, aquele som estridente e irritante.

Diante do perigo de iminente batida, eu me vi envolvido no acidente e, num átimo de desespero, não tive outra solução a não ser pular intempestivamente da ponte para o rio, despencando de uma altura aproximada de 20 metros. Eu conhecia aquele rio, já havia pulado dali em outras oportunidades, mas todas elas com o rio cheio e durante o dia.

Confesso que tive muita sorte, por não bater na água de mau jeito e ainda causei um susto danado em dois pescadores que estavam numa mesma canoa, a poucos metros dali. Fui a nado até a margem de Teresina, perdendo, assim, as sapatilhas e a camiseta.

No Posto Fiscal, já encontrei o caminhão de cebolas que voltara de ré e o motorista discutindo com o sinaleiro. Este jurava não haver outro carro sobre a ponte, fato que foi confirmado pelo sinaleiro do outro lado do rio, na cidade de Timom. Eu narrei tudo o que eu tinha visto, confirmando a versão do caminhoneiro. O sinaleiro lembrava-se de ter-me visto passar na direção da ponte e ficara mais encafifado ainda.

A ponte ficou interditada, pelo menos por uns quarenta minutos, tempo em que eu, o motorista do caminhão e o sinaleiro fomos a pé até o local do incidente. Mas antes mesmo de chegarmos ao local, vimos, para surpresa nossa, que não havia caminhão algum sobre a ponte. Não fora ilusão de óptica, nem alucinação e a prova material foram as marcas muito vivas das frenagens dos dois caminhões. Mais intrigante ainda, foi a evidência de que o caminhão fantasma transportava farinha de mandioca.

Daquele dia até hoje, nada me tira de casa, sem ter, de fato, uma necessidade que justifique minha saída. Principalmente depois das 18h.

Eu vi e conto. São coisas de minha terra.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Agradeço de coração a quadra do amigo Poeta Alfredo D Alencar.

Apezar do tema abordado,

A narrativa não arrepia,

É causo tão mui bem contado,

Que relaxa e traz alegria.