O VENDEDOR DE “GILETES”

Na barbearia da família do Carmo de Souza, além dos clientes habituais, e alguns eventuais, a frequência, principalmente aos sábados era enorme, tanto que as vagas para um corte de cabelo ou barba, eram muito disputadas.

O ambiente era ruidoso pelas conversas daqueles, que mesmo sabendo da demora para ser atendido, se dispunham a esperar sua vez, pois aproveitavam para se inteirar dos últimos acontecimentos e assim “matavam o tempo” como se dizia naquela época.

Outros, não conseguindo esperar o tempo necessário, avisavam que iriam sair por uns minutos, e pediam que lhes garantisse a vaga. Saiam por alguns minutos, o suficiente para ir comprar cigarros ou “tomar uma” diziam eles...

E, num dia de sábado, e final de mês, em que a barbearia ficava lotada de clientes, visitou nos um vendedor de laminas de barbear, que por trabalhar com a marca mais conhecida – Gillete, era tratado por nós barbeiros por “vendedor de giletes”.

Durante a conversa sobre o valor de seus produtos, ele, que sempre vinha desacompanhado fazer suas vendas, naquele dia trouxe consigo um amigo, que por curiosidade, perguntou qual era atividade principal que movia o comércio da nossa cidade, querendo na verdade saber, se era a Usina Rafard, a principal fonte de rendimentos de nós moradores.

E muito educadamente respondi-lhe que sim, que a principal fonte de renda era a usina, que era quem praticamente dava sustentação ao comércio da cidade.

Diante da minha resposta, ele, querendo fazer uma gracinha para seu amigo que o acompanhava, usando de sarcasmo, fez a seguinte observação: - Quer dizer então, que se essa usina fechar, vocês rafardenses morrem todos de fome?

Primeiro senti um calafrio, depois o pulsar nas têmporas, fiquei vermelho de raiva, mas respirei fundo, e me contive, e calmamente lhe respondi: - Não! Morrer de fome, com certeza ninguém vai morrer! Até porque somos todos trabalhadores, que encaramos qualquer serviço desde que seja honesto, mas se não tiver outra coisa na vida para fazer, nós iremos vender gilete!

O amigo que o acompanhava, e que com sua curiosidade o colocara nessa saia justa, caiu na risada, enquanto o outro deu um jeito de sair de fininho, e nunca mais voltou me vender suas giletes...