O SOMHO DE UM CORONEL MACHISTA 37º EPISODIO

Consumindo velas “jazia ali na casa grande uma réplica do coronel” Nem uma lágrima derramada. La fora em vigília apenas a lua. Numa paisagem ilustrada por bilhões de estrelas, no azul do cosmos, espreitado por um lobo guará, contemplando são Jorge. O clarão naquele cenário era mórbido funesto. Apenas a natureza tendia quebrar o silencio com os seus murmúrios noturnos:
--Amanhã eu vôu! Dizia um curiango!
--Foi, foi, foi, foi, foi. . . Foi! Camuflado num pau, gritava o urutau!
-Rúim, rúim, rúim -, coaxava uma rã no banhado!
- Príui, pri, prií piava a coruja no roçado!
Tudo estava consumado. Sabe-se lá por quem os restos mortais do coronel Certorio foram levados.

Na varanda da casa grande tremulavam as chamas das velas, consumidas pelo fogo projetando sombras disformes na parede centenária descolorida pelo tempo. Quando os galos amiudaram seus cânticos o vento se aquietou. D’além montes veio à brisa, acompanhada pelo sereno beijando a relva orvalhando os prados. A aurora com o seu rósio sinalizou a franja do infinito acima horizonte anunciando mais um nascer de sol. O primeiro de uma nova era sem os mandos e desmandos do coronel Certorio.

Na fazenda Bocaina tudo parou. Sequer vivalma lá ficou!
Velando seu maior rival, em todos os tempos. O coronel Tiburcio a esposa e sua filha Dusanjo estiveram durante toda a noite ao lado de Nicó. Nem um segundo o deixaram desolado. A população do Bom Jardim compareceu em massa, seu burburinho encheu as dependências da casa grande a noite inteira.
Quando o sol deitou nos montes seus primeiros raios, chegou uma carruagem conduzindo o padre Gregório pároco em Bom Jardim. Embora tendo sido parte de seus desafetos Jurado de morte pelo coronel, inúmeras vezes, padre Gregório, solidário, se sentiu na obrigação de levar a ele depois da morte seu acolhedor conforto espiritual.
Aparamentado com muita humildade e fé depois de quase duas horas de orações e pedidos de clemência para o falecido ele fez as orações finais, recomendado sua alma ao altissimo. Ao aspergir água benta sobre aquela replica depositada no caixão, iniciou um mini tornado girando em forma de rodamoinho saindo de dentro do caixão, quanto mais água benta o padre aspergia, maior era a velocidade. Girando de maneira inimaginável em formato de um funil, sugou aquela réplica e a transformou num filete finíssimo, levitando, ele saiu rente ao beiral do telhado da varanda e subiu para o infinito até desaparecer aonde a vista já não o alcançou mais, a multidão que estava presente nada percebeu, apenas o padre e as quatro pessoas que pessoas conhecedoras do mistério que envolveu o coronel viram o fenômeno sobrenatural acontecer. O padre os aconselhou fecharem o caixão imediatamente e prosseguir com o sepultamento. A multidão acompanhou tudo, até a última pasada de terra ser posta sobre ele, mas ninguém soube que enterraram ali um caixão vazio.
Voltaram todos para os seus condomínios. Nicó muito abatido com tudo aquilo, pediu ao padre que voltasse no sétimo dia para a celebração da missa em sufrágio da alma do pai. O padre muito comovido e solícito acatou seu pedido colocando a disposição para tudo que fosse necessário.
O coronel Tiburcio convidou Nicó a passar os primeiros dias de o seu luto em sua fazenda Bocaina. Ele agradeceu afirmando, que agora mais do que nunca não poderia se ausentar de Morrinhos por mais que um dia. Mas que o coronel com a familia estava convidado a comparecer para missa de sétimo dia do pai, na próxima semana, contava também, se possível, com a presença de Inhá Chica com suas filhas e suas netas mucamas, que com a morte do coronel estavam livres para ir vir visitar os seus parentes, escravos em Morrinhos.
Um fato muito estranho chamou a atenção do coronel Tiburcio com sua familia e um grupo de pessoas retardatárias, que permaneceram até mais tarde um pouco, dando apoio ao Nicó.
O boi pretête que desde o episodio no circo do Cencem a tempos atrás não voltara a Morrinhos apareceu de repente, ensaiando seu ritual de briga, bufando e rapando o chão com as patas dianteiras próximo a sepultura do coronel Certorio. Dusanjo correu até ele e o conteve, ele obedeceu. Mas bateu uma das patas dianteiras em cima do amontoado de terra como se tivesse dando um soco em alguem. Deixando lá sobre sepultura seu rastro. O pessoal ficou boquiaberto com aquela sena inexplicável e inusitada, jamais vista praticada por um animal. Quem presenciou a sena voltou pra casa tentando encontrar uma explicação, seria um desabafo daquele animal esbofeteando a cara do homem?
Passou-se a semana, chegou o momento da missa do sétimo dia de morte do coronel. Nico mandou Preparar o altar para celebração junto à sepultura. Padre Gregório sempre piedoso chegou mais sedo. Foi até senzala conversou longamente com os escravos, brincou com as crianças. Coisa que ele sempre desejou fazer, mas o coronel jamais permitiu. Tendo ele como um de seu maior desafeto.
A população do Bom Jardim compareceu em grande número. Da fazenda Bocaina compareceram todos. Foi uma bela celebração. Padre Gregório analteceu o acontecimento, afirmado que embora o coronel trilhasse caminhos não muito recomendáveis sua passagem pela vida teve um significado bastante positivo na economia do municipio de Bom Jardim. Encerrou afirmando que algumas árvores apesar de espinhosas projetam uma sombra acolhedora e produz frutos nutritivos que alimentam e dão vida saciando aos seres humanos, aos animais silvestres e as aves do céu.
Intrigada com sua fala Inácia chamou o padre e lhe mostrou algo bastante curioso, condizente ao que ele acabava de pregar. Na sepultura do coronel no rastro que o boi pretête deixou sobre o amontoado de terra nasceu uma plantinha esquisita com o caule e folhas enrugadas e cheias de espinhos. O fato chamou a atenção do publico que estava presente, mas ninguém conseguiu identificar a espécie. Motivo de várias opiniões. Padre Gregório deu a mais provável a respeito, supondo que poderia o boi pretête ter pisado numa semente qualquer e ela grudou na sua pata, quando ele bateu a pata sobre a sepultura, a semente se soltou ficou plantada lá, em seguida veio à chuva ela germinou e nasceu rápido. Muitos discordaram dizendo que os espinhos representavam as maldades praticadas pelo coronel e que aquela planta era o coração dele que se transformou em semente geminou e nasceu. Houve quem dissesse que os espinhos eram os pecados do coronel. Mas tocar nela ninguém teve coragem.
Nicó prometeu que cuidaria para que aquela plantinha estranha crescesse e depois de adulta se sua espécie não fosse identificada convocaria o grupo de curiosos que La esteve para dar a ela um nome. Afinal ela poderia ser de fato um mistério inexplicável, nasceu justamente onde o boi pretête deixou a marca de sua pata esbofeteando a sepultura de um coronel que o perseguiu até o dia que foi preso.
Terminada aquela cerimônia Nicó convidou a todos os presentes a se dirigirem ao refeitório da senzala onde um farto lanche estava preparado. Algumas pessoas mais tímidas recusaram, mas ele incumbiu Venâncio e alguns de seus escravos mais espirituosos para não deixar ninguém sem lanchar. Foi uma bela de uma confraternização. De fato o herdeiro daquele império patrimonial era o oposto do que foi o pai. Ao término daquele encontro fraternal, ele agradeceu a todos e com a voz embargada pela emoção acrescentou o seguinte:
-- Ieu quero dizê pra tudos voismiceis qui foro forçado a vendê as terras pra o meu pai, o coroné Certorio, qui vão tê sua terra de vorta, argum qui num veio aqui hoje, voismiceis qui viero me fais o favor, diga pra mim percurá, num quero um parmo de terra mar adiquirida. Vou devorvê pra tudos voismiceis qui foro lesados. As veis isso pode até sê bão pra arma do coroné.
Agora tem mais uha coisa qui quero fazê na presença de tudos voismiceis, essa é cum o coroné Tiburcio e sinhá Maricota. Voismiceis mim cuncede a mão de vossa fia Miguelina Dusanjo in casamento?
-- Oia Nicó ieu nem Maricota num pudemo fazê isso, purque nois aprendemo cum a nossa iscrava Inhá chica, qui num manda no curação de nossa fia, é ela qui manda nele, num somos nois, isso voismicê pergunta pra ela, se ela aceitá nois fazemo muito gosto num é memo Maricota? Ieu aprindi gosta de voismicê fais tempo. Pergunta pra ela vai!
--Intão Dusanjo voismicê qué casa cumigo?
--Quero sim, te amo desde o primeiro dia que te conheci, pode encomendar as alianças. Na sequencia o publico aplaudiu sua atitude com uma grande salva de palmas e vivas ao casal,

Venâncio o pistoleiro que se tornou herói evitando o extermínio dos Montenegro pelo coronel Certorio. Entusiasmou com o pedido de Nicó e perguntou se ele também poderia fazer um pedido.
--É craro qui pode respondei Nicó.
-Intonse se pode ieu faço é cum a sinhora Inaça, dexa ieu casá cum vossa neta Vicencia?
-Cumo diz curoné Tiburcio num é cumigo isso é cum ela!
--Intonse Vicencia o qui voismicê mim responde?
--Ieu quero uai de tudo jeito ieu ia sê de voismicê memo coroné Certorio ia intregá ieu pra voismicê pagano pramode mata os o povo da Bocaina tudinho né memo?
-Ma num pricisava voismicê falá isso, prece povo ficá ai imaginano qui sô um pistolero de aluguer, qui ieu num sô não já vice. Ieu só vim pressas banda de cá mode vingá à morte de painho e mainha qui Deus tenha ezdois na sua grória cerestiar. O pidido tá feito se voismicê nun querê ieu arrumo ota!
-- Capais qui ieu vô dexá voismicê arranjá ota, nóis casa e é agora vem cá padre Gregóre casa nois inhantes quele iscapole.
--Olha filha não é bem assim vamos com calma prepare primeiro depois nos providenciamos tudo, ta bom? Com certeza vai ter uma festança, pelo visto vosmecês são muito estimados pelo seu novo proprietário.
--Agora o sinhor falô uha coisa qui vô fazê memo padre, vô tratá os meus iscravos do giintinho queze merece cumo gente.


 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 22/01/2018
Reeditado em 22/01/2018
Código do texto: T6232846
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