O SOMHO DE UM CORONEL MACHISTA 39º EPISODIO


Conforme foi acertado com o proprietário do circo foi uma semana de pura diversão na pequena cidade de Bom Jardim. Não ficou se quer um único de seus habitantes que não compareceu ao circo para assistir o espetáculo. O boi pretête Brincou a semana inteira com os toureiros. Sem violência sem agressão ao animal que se exibia de uma forma mágica parece ter entendido o espírito do evento cultural. Tudo ali não passou de uma brincadeira saudável. Impossível não gostar, a magia, criatividade e sua mansidão levaram os espectadores a loucura o aplaudindo. Brincalhão ele exibiu a semana inteira sem causar nenhum arranhão, quando terminava o espetáculo os toureiros o abraçavam e ele retribuía carinhosamente de forma fantástica com se fosse um ser humano caminhando com naturalidade. Nos últimos dias já não houve mais a necessidade de ser colocado no tronco do circo, ficava desfilando na praça como se fosse um cão amestrado. Cercado pelas crianças interagindo com elas nas suas peraltices. Os guris mais levados puxavam sua cauda, suas orelhas passavam entre suas patas subiam em seu dorso. Algo muito extraordinário envolvia aquele animal.
Na hora do espetáculo com poucas palavras Dusanjo o conduzia à arena:
-- Pretête tá na hora da brincadeira vá para o circo! Ele entrava junto com o toureiro ai eram duas horas de brincadeiras. Ele fingia de morto eles subiam sobre ele, com apenas uma sacudidela no corpo os atiravam ao longe. Tudo transcorreu com normalidade sem nenhum incidente.
O ultimo dia de apresentação foi reservado para os escravos. Inspirados no clima solidário que passou a imperar após a morte do coronel Certorio. Todos os senhores de escravos da região sem nenhuma exceção aderiram à corrente solidaria que se formou liberando seus escravos para o espetáculo, eles que jamais tiveram privilégio algum, transformaram o evento numa grande festa marcando de forma positiva a historia da cidade. Festa essa que se tornou tradicional a partir desse evento todo o circo que aportaram em Bom Jardim, só recebiam o alvará de funcionamento disponibilizando um espetáculo gratuito aos escravos do municipio, uma sugestão feita pelo coronel Tiburcio, que ficou ajuizada nos anais do municipio. Que se fez cumprir durante o período da escravidão.
As atitudes do boi pretête geraram uma grande polemica o transformando em um mito. O fenômeno do animal correu o país veiculado de boca em boca. E como sempre quem conta um conto sempre aumenta um ponto, Bom Jardim se transformou numa referencia nacional. E num roteiro circense, atraindo turistas do norte ao sul, todas as estâncias da colônia, querendo conhecer o boi mágico e o mistério que o envolvia e que o transformou numa lenda. Desde o episodio ocorrido no dia do sepultamento do coronel Certorio, quando o animal bateu sua pata na sepultura deixando lá seu rastro e nele nasceu aquela planta espinhenta, cuja espécie nunca foi identificada. Surgiram várias opiniões a respeito dentre elas a hipótese que transformou na lenda com atestados veracidade afirmando que o boi pretête é uma reencarnação do falecido coronel Ataide membro da familia Montenegro, a maior rival da familia Vilela na saga dos coronéis com a disputa pela terra. O fenômeno do boi pretête que ao veicular de boca em boca como acontece com toda lenda, alem de ganhar um lirismo inimaginável se eternizou como verídica nos anais provincianos. Não se soube quem disse, mas segundo a crença o boi pretête era nada mais nada menos do que a reencarnação do bondoso coronel Ataíde, pai do coronel Tiburcio que morreu vitimado por uma arma de fogo numa caçada. Dizem as más línguas que sua morte acidental teve o dedo de seu desafeto o coronel Certorio.
A crença mitológica envolvendo o arbusto que nasceu na sepultura onde o boi pretête deixou o seu rastro também se transformou numa atração levando muitos curiosos à fazenda Morrinhos na intenção de conhecê-la por fazer parte da lenda. Com pouco mais de um ano de vida já com uma aparência física adulta, a arvore cresceu exageradamente sua característica lembra bem as ações do coronel Certorio. Espinhosa e de ramagem muito fechada projetando uma vasta sombra vasta sombra em dias ensolarados. Como disse muito bem padre Gregório, por ocasião da missa celebrada em sufrágio da alma do coronel Certorio. “Uma arvore por mais espinhosa que seja, tem seu valor pela sombra que projeta. Pelas flores que ilustram a natureza e pelos frutos que alimentam.” Seus espinhos não impedem que a natureza realize nela o milagre concedido por Deus.

Durante os dois anos após a morte do coronel, seu filho Nicó esteve sempre ao lado de Dusanjo, mantendo seu namoro respeitoso conforme rezava a tradição, desde que foi selado seu compromisso de noivado. Ele contatou um mestre escola lusitano e começou mudar completamente seu vocabulário, embora ela afirmasse que casaria com ele independente de seu n linguajar e sua capacidade cultural. Mas ele sempre afirmava que seu aprendizado era um objetivo para seu crescimento pessoal
Aproximava a data do seu casamento, tudo estava sendo preparado para o enlace. Ele cuidando da fazenda Morrinhos em perfeita harmonia com seus escravos, auxiliado pelo Terenço que assumiu a administração do rebanho bovino, enquanto Venâncio administrava a produção do potente engenho de cana da fazenda.
Dusanjo sempre cavalgando ao lado do pai, administrando a fazenda Bocaina, mas sem desprezar os afazeres de dona de casa ajudando a mãe. Para o orgulho do coronel Tiburcio que aprendeu amá-la como, ou até mais que o filho homem, com quem um dia sonhou, recriminando a filha quando nasceu. Foi necessário que ela se mostrasse valente armando-se com uma carabina disposta a enfrentar o coronel Certorio, para que seu pai se tocasse do valor como filha, para descer do hereditário pedestal machista trampolim dos coronéis no passado subestimando as mulheres fazendo elas simples parideiras de seus filhos.
O admirável talento da jovem Dusanjo sua capacidade e inteligência deixavam a todos que dela se aproximavam admirados com o seu conhecimento, ela tinha sempre na ponta a língua uma resposta para qualquer questão. Os grandes sábios que foram consultados a respeito do fenômeno envolvendo sua intimidade com o boi, nunca chegaram a um a um consenso determinando sua causa, sempre atribuíram aquela relação com um fato inédito e incomum.
Inhá Chica a parteira que assistiu sua mãe ao lhe dar a luz, afirmava com veemência que toda aquela sua capacidade era o efeito do primeiro alimento a ela ministrado. Ou seja, o colostro da vaca mimosa que assimilado ao colostro materno gerou o poder mágico que a deixou a criança superdotada. Segundo a tradição africana e a crença repassada de geração para geração. Sua intimidade com o boi pretête que também era mágico tinha tudo a ver com esse alimento de aparência repugnante, mas de um valor inexplicável criando pelo deus da sabedoria o deus protetor dos mágicos.
Na fazenda Bocaina os escravos sempre foram tratados como seres humanos com dignidade respeito desde o tempo do coronel Ataide Montenegro que legou ao filho Tiburcio sua generosidade seu caráter de homem honrado. Uma raridade no mundo do coronelismo e dos senhores de escravos que alem explorá-los com verdadeiros animais no trabalho ainda os castigavam com as piores torturas que se possam imaginar. Abusavam de suas escravas. Trocavam-nas por outros escravos com se troca animais. Essa barbárie cometida no passado tornou-se numa cicatriz social intragável na historia da nação brasileira. É a mais vergonhosa das feridas institucionais legada pelos nossos antepassados.
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 05/02/2018
Reeditado em 05/02/2018
Código do texto: T6245569
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