QUESTÃO DE TEMPERAMENTO

Nas fazendas de criação de gado um dos serviços mais delicados é o de retireiro.

Se o cabra não for bom de braço e zeloso com o serviço, as fêmeas em lactação podem sofrer uma série de problemas sendo muito comum a mastite que é inflamação no teto e que torna o leite impróprio para o consumo.

Já existe um monte de medicamentos no mercado que resolvem rapidamente o problema, mas é doença silenciosa e que se não for tratada convenientemente a vaca pode perder os tetos.

Se os cuidados de higiene com a extração manual são grandes, maiores ainda são quando a fazenda possui ordenhadeira mecânica.

Depois da morte do pai do vaqueiro Geraldo, Maria a mulher dele, foi lá na casa de comadre Lu para convencê-la a vir morar com eles.

Era uma forma de juntar as economias e de também ajudar na criação dos nove netos.

Logo de início comadre Lu não aceitou, mas sabe como é mulher quando bota alguma coisa na cabeça, né?

Maria azucrinou tanto o juízo da sogra que ela deu fim nas poucas coisas que tinha e mudou-se para a casa do filho.

O sítio onde ela morava foi arrendado por compadre Sabino para plantar palma. Quer dizer, além de ter companhia dentro de casa, comadre Lu ainda teria um bom dinheirinho certo todo final de mês.

Mas os serviços da casa logo ficavam prontos e para não ficar na ociosidade, comadre Lu foi falar com Dr. Pedro para arrumar um serviço para ela na fazenda.

Dr. Pedro perguntou o que é que ela sabia fazer com gado porque era o único lugar onde sempre precisa de mão de obra e ficou muito contente em saber que ela era retireira de primeira. Tinha até medalha que ganhou num concurso em Santa Cruz da Baixa Verde.

A fazenda do Dr. Pedro era especializada em cria para a venda de bezerros, mas com a melhoria no plantel de fêmeas o volume de leite produzido diariamente ficou bem acima da capacidade de consumo pelos animais e a saída para o problema foi retirar a maior parte do leite e deixar o tanto que os bezerros pudessem consumir sem ter diarreia.

Comadre Lu dava conta do recado com todas as outras, mas com Fafá, uma vaca meio sangue de holandês com gir, a coisa era diferente.

Fafá parecia que tinha partes com o cão.

Quando alguém chegava perto dela com o balde de tirar leite, ela se virava no pé da besta.

Dava coice, balançava o rabo na cara do retireiro, dava marrada no cocho e se o cabra desse mole, ela derramava tudo.

Tinha que ser apiada nas mãos e nos pés para poder ficar quieta.

Mais de uma vez, quando o serviço já estava quase no fim ela se deitou sobre o balde e derramou todo leite.

Com o aumento do número de animais e para facilitar o serviço o Dr. Pedro comprou uma ordenhadeira mecânica e encarregou a comadre Lu de cuidar daquela trapizonga.

O técnico explicou bem direitinho dando ênfase aos cuidados com a higiene e tanto comadre Lu quanto as outras vacas se acostumaram rapidamente com a novidade, nem era mais necessário apiar, mas Fafá não.

Se ela fazia confusão com a ordenha manual, com a mecânica não tinha no mundo quem segurasse.

Cansada das estripulias da vaca, comadre Lu foi falar com o Dr. Pedro para vender aquela bicha mal comportada que só servia de mau exemplo para as outras.

Dr. Pedro fez ver a comadre Lu que Fafá era de excelente linhagem, produzia mais de vinte quilos de leite por dia.

Aí comadre Lu disse a ele:

- Olhe doutor, como vaca, Fafá é uma excelente pessoa, mas como gente ela não vale nada.

Quem me contou esse causo foi meu amigo José Ricardo Brito de Araújo numa noite em que estávamos comendo galinha à cabidela acompanhada de cerveja bem geladinha lá no bar do Baracho.