Saudade do Sítio

( Poesia Recitada - H008 ).

Naqueles tempos

Mamãe tricotava

Enquanto o vento

A rede balançava

O caçula dormitava

Na cama antiga

Depois que mamava

Ao som da cantiga

Papai ia para labuta

Ganhar o nosso pão

Dia a dia a sua luta

De Amor, o Coração

Quando a chuva caia

Escorrendo na vidraça

Parecia até em agonia

Muito fria por pirraça

O sol que aparecia

Delatava a Esperança

Lindo ar da alegria

Por nós içando dança

Aves e galinhas que cacarejavam

Ciscando alheias naquele terreiro

Também ruídos que camuflavam

Na bigorna, o martelo do ferreiro

Corria já de calção

Ignorava até o frio

Para fazer a natação

No pequenino rio

Mano, na idade dos poucos anos

Aliava-se também na traquinice

Mas sempre entrava pelos canos

Porque se folgava na malandrice

Tínhamos lá, um abrigo

Para fuga no infortúnio

Que levava a um amigo

Entrando num raso túnel

E a descoberta não tardou

A mamãe logo explodiu

Nosso túnel, então fechou

Quando mano escapuliu

Pro vizinho licença pediu

E do outro lado o cercou

Não valeu o meu assobio

De súbito o bote efetuou

Como ri tanto... e tanto

Nunca esqueço... jamais

Mano gritava no pranto

... mais... não faço mais...

O mais velho, era durão

Trabalhava, já na roça

Levava foice, o enxadão

Almoçava lá na palhoça

Bem tarde vinha cansado

Suado pelo calor ardente

Por vezes se portava irado

E brigava até com a gente

Até que um dia levou uma sova

Enrodilhava-se qual uma cobra

Por certo lhe foi a boa e a nova

E penitente nos trazia gabiroba

Foi um peão de rodeio

O Bravo, tão destemido

Montava só por recreio

Mas nunca caiu ferido

A mais velha guerreira esforçada

Nossa madrinha de bom coração

Que alegre dançava pela calçada

Trazia os presentes, e de montão

O fogo na lareira

Fazia a noite cair

Sondava a canseira

Era hora de dormir

Íamos todos para camas

Com sorrisos, até piadas

Após limpadas as lamas

Tirado, da sala, pegadas

A mais velha, e sempre ela

Que bom os seus conselhos

Era a fada... a paz... a vela

Ao despertar dos pesadelos

Amanhecia e eu me levantava

Borbulhava bolinhos no azeite

Justo aí, meu pai me chamava

Para ordenhar da vaca, o leite

Corria nos campos e nas ruas

Pulava os barrancos e valetas

Que nem perdoava as verduras

Indo aprisionar as borboletas

Fase... que lado a lado ondulava

O prumo que a tornava madura

Que imperceptivelmente sanava

As safadezas... era da bela cura

Ao mercado ia com a sacola

Descendo feliz, pela ladeira

Depois rumava para escola

Estufada ficava a lancheira

A idade que não perdoa

Existe... não dá para notar

Nunca se apresenta à toa

Repente! se nota podar

O mais velho veio para a cidade

Deixou o roçado e seus recreios

Pairou no sítio a dona saudade

Não houve mais trotes, rodeios

Dezoito anos chegou

Ao caçula, o mimado

No exército se alistou

Remido... fora aliado

A mais velha se casou

Veio a morar, tão distante

Mamãe até se consolou

Pois a vida é toda avante

Talvez por mim, evidente

Sobrando ainda um bem

Nem sabia, meu ausente

Ansiava na ida, também

Não muito tempo fiquei

Vim conhecer a cidade

E agora, convicto, notei

Como nos dói a saudade

Ficou, lá, o sítio pequenino

Pai e mãe, a sós, cuidando

Amigo tomou o seu destino

Na cidade, nós, se virando

Fico, demais, surpreso

Lembro o sítio abundante

Hoje, para se estar ileso

É preciso ser estudante

Estudar a cada passo

Entender de cada classe

Para desatar todo laço

E assimilar a nova face

Prossigo fortificado

Das alegrias mansas

Pelo bom do passado

De ternas lembranças

Daquele tempo duro

Detalhes valendo a pena

Que não havia o muro

Que amizade era serena

José Corrêa Martins Filho
Enviado por José Corrêa Martins Filho em 07/03/2018
Reeditado em 18/05/2023
Código do texto: T6273449
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