O SEMEADOR

Adão Francisco saiu da Caixa com o comprovante das transações que fizera com a bolada recebida no prêmio da loteria.

Quando fez o jogo jamais poderia imaginar que iria receber tanto dinheiro.

Agora podia realizar seu sonho de ter um terreno onde pudesse plantar, criar galinhas e porcos e ver os netos se sujarem no barro durante as férias escolares.

Os filhos já criados e ocupados com suas vidas não viriam morar com ele no sítio, mas os netos sim. Esses, pelo menos nas férias, viriam encher a casa com o som vivo de infância feliz.

Pensou em pedir demissão, mas faltava tão pouco para a aposentadoria que era melhor esperar completar o tempo e garantir a tranquilidade dos depósitos que mensalmente cairiam em sua conta, ainda que fosse pouco, como todo mundo considera qualquer aposentadoria, por mais gorda que seja.

Comprou o jornal do dia para ver se encontrava alguma propriedade colocada à venda, mas considerou ter jogado dinheiro fora porque aquele caderno de classificados só circula na edição do domingo e, ainda era quarta feira.

Teria muito que esperar.

Na hora certa, assumiu seu posto no protocolo da secretaria de transportes do município para cumprir mais um dia de serviço ativo.

Ou seria menos um dia para a aposentadoria tantas vezes sonhada?

Pensando consigo, o segredo é a alma do negócio, não falou com os colegas sobre o prêmio da loteria, embora a sua língua estivesse coçando para fazê-lo.

No domingo seguinte, folha de jornal em punho, montados na pajero seminova, ele e a esposa dona Ester, foram ver as propriedades colocadas à venda.

A que parecia ser a melhor escolha era um sítio com dez alqueires, erval nativo e plantado, galpão para criação de aves e, o mais importante, nascente.

De sua casa em Chapecó até Xaxim, mais ou menos trinta minutos pela BR 480 e do centro da cidade até o sítio mais quinze minutos.

O corretor mais que solícito, pegou as chaves e foi mostrar a propriedade.

Casa antiga, talvez construída no tempo da ordenação do município pelos Irmãos Lunardi quando o lugar ainda era chamado de Hercílio Luz e servia de pouso aos tropeiros, mas nada que água, sabão, vassouras e baldes não resolvessem.

Foram ver o erval, esse sim, estava precisando de uma limpeza em regra, capinação e poda.

No galpão empoeirado, só algumas ferramentas, a maioria sem cabo denunciando o abandono a que foram relegadas e na parte destinada à criação de aves, a cama de casca de arroz que fora utilizada no último lote ainda exalava o cheiro forte de amônia.

Bebedouros e comedouros sem serventia estavam amontoados num canto.

O mato cobria todo o talhão destinado ao plantio de roça.

Nas próximas férias Adão e Ester passaram todas no sítio e foram contratadas, através da cooperativa, pessoas para fazer os tratos necessários, na casa, no erval.

No talhão de roça foi necessário alugar um tratorzinho para fazer o serviço de descompactação do terreno e incorporação da cama de granja retirada do galpão por ser excelente adubo.

Na semana seguinte, aproveitando a chuva fininha, seria feito o plantio do milho usando a matraca nova comprada na cooperativa e que virou o brinquedo dos netos e de Adão no entorno da casa, enquanto esperavam a hora certa de usá-la.

No dia em que finalmente fariam o plantio, Adão levantou-se ainda escuro e foi para a varandinha que circundava a casa.

Todo o ambiente estava envolto em densa névoa, normal para a época do ano, mas havia movimento estranho no talhão de roça.

Sob a garoa e luz difusa do amanhecer um vulto escuro se destacava.

Era sem dúvida um homem de chapéu de palha, camisa e calça brancas segurando com o braço esquerdo uma vasilha de onde tirava os punhados de grãos para semear a lanço com a mão direita.

Adão desceu os degraus da varanda e a figura se dissipou na garoa fina como num passe de mágica.