SCHATZI

Tia Luisa, velha, muito velha para os seus cinqüenta anos de idade, era, a bem da verdade, uma grande ranzinza. Vivia numa casinha que beirava a ribanceira de um morro, morro este de propriedade da sua cunhada, Etel, herdada momentos antes da morte vir buscar seu irmão, Daniel. Ranzinza e famigerada como ela, só mesmo o seu ganso de estimação, Schatzi. Este, grasnava alto quando tia Luisa passava sem lhe dar um alô sequer. Ele, como um verdadeiro cão de guarda, a seguia morro acima e morro abaixo, sendo seu cúmplice aos pequenos furtos feitos no galinheiro, no bananal, no milharal e mais onde lhe conviesse. Agiam quando o sol, finalmente, ia se deitar. Etel sabia, Etel via.

— Luisa é uma coitada, deixa estar!...

Com a desculpa de ir catar lenha para o fogão, lá iam os dois a passos miúdos. Ela, assobiando, ele, de asas abertas, rebolando-se todo. Após algum tempo, voltavam. Tia Luisa trazia não só com o que dizia ter ido buscar, como também, com um belo cacho de banana da prata entremeado nas folhas da bananeira. Tia Luisa não se contentava com nada, para ela, o pouco é pouco! E reclamava de tudo, xingava a todos.

Numa manhã, Etel e eu descíamos o caminho em direção ao centro da cidade. Surpresa. Ouvimos, de perto, um assobio. Schatzi, vinha num vôo rasteiro. O alvo? As pernas de Etel, minha mãe. Mal pude acudi-la. Ouvi Luisa as gargalhadas e vi Schatzi com o bico vermelho, limpando-o nas penas.

— Teu pescoço, ganso fétido, será torcido. De amanhã não passas! – falei alto.

Maquinei, noite adentro, uma morte selvagem. Dito e feito! Mal clareou o dia, chutei pedra morro acima, desensaquei milho morro abaixo. E, como sombra, ladeei árvores. Eu era só olhar. Lá pelas tantas, passaram. Foram e voltaram tempos depois. Ela, na direção da casa, ele, muito guloso, atrás da trilha do milho. Então, agarrei-o. Ele, assustado, se viu, em minhas mãos. Tentei, juro que tentei, torcer-lhe o duro pescoço. Qual nada!... A luta era desigual: – “Penas pra que te quero. Vais voar a cântaros!” – pensei rápido. Rodopiei-o várias vezes, e, com uma força descomunal, atirei-o longe. Achei que Schatzi não daria conta de voar, espatifar-se-ia numa das tantas árvores. Que nada!... Ele bateu direto de encontro aos fios que levavam energia à minha casa. Meu sorriso morreu ali. Ficamos sem luz. O ganso? Por azar, não morreu, planou bonito, planou até chegar a sua dona. Desse dia em diante, o respeito entre nós, até sua morte, por velhice, seis anos depois, foi mútuo.