Uma lua-de-mel interessante...cap. II

Mas, um probleminha, e agora? Alguém tem de fazer a ligação e Lucinha, pega a faca e começa a descascar o fio sob as instruções do marido. Ninguém merecia aquela situação, queimada, ainda mancando e tendo de fazer uma ligação elétrica... Coisa que nunca nem vira. Na sua casa jamais havia trocado uma lâmpada, pensou por um instante. Mas, tudo bem, jovem independente é assim. Tem que se virar. Mas, graças ao bom Pai, Adauto pegou seu violão (que sempre tocou muito bem) e começou a dedilhar algumas músicas utilizando os dedos que estavam bons. Logo, aquela música atraiu vizinhos do camping que ajudaram a fazer a bendita ligação. Coisa que os dois deram graças a Deus. Em uma hora, tudo estava em ordem e iluminado.

À noite tudo já era uma festa. A barraca mais concorrida do camping era a deles. Adauto tocando, Lucinha cantando, e todos sentados ao redor, tomavam cerveja, caipirinhas e apareciam bebidas de todos os lugares. Das outras barracas apareciam salgadinhos e batatinhas. Foi uma farra, ficaram cantando até tarde e tudo ficou combinado para a praia da manhã seguinte. Iriam todos juntos.

Na manhã seguinte, Lucinha com o joelho e a queimadura quase sarados, e Adauto com o dedo latejando menos, partiram com a turma para a praia lotando vários carros. Foi uma delícia, futebol, vôlei, música, camarão no bafo (feito num buraco na areia), tudo aquilo que jovem gosta. A turma era ótima e todos se divertiram até o meio da tarde, quando resolveram voltar ao camping para continuar a bagunça por lá.

Adauto e Lucinha souberam que havia um passeio muito legal na cidade. Era um passeio de barco pelo canal de Cabo Frio. Foram ver e marcaram para o dia seguinte após o almoço. Enquanto isso, divertiam-se no camping que dispunha de praia particular, quadras, e a barraca deles,que virou um point musical. Dois da turma possuíam lancha e barco, e levavam todos pelo canal da prainha. Fizeram amizade com quase todos acampados por lá. Até mesmo com um casal com filhos que também passou fazer parte da turma. A viagem estava sendo muito boa e sabe como é jovem, ninguém se lembrava mais do que tinha acontecido com o carro, com o joelho, a queimadura e dedo. Agora era só alegria.

No dia seguinte, Adauto e Lucinha nem foram à praia. Ficaram no camping, tomando sol na prainha. Queriam sair para almoçar num restaurante do centro de Cabo Frio que era bem pitoresco. Entrava-se nele pela janela. Porta, nem pensar, não tinha. A comida era muito boa, e o local bem próximo da saída da escuna. Não queriam perder o horário do passeio. Dali, iriam direto pro canal, local da saída do barco.

Logo após o gostoso almoço, os dois tomaram o rumo do canal. Lá chegando, entraram no barco que já estava à espera deles. O capitão informou que esperariam mais um casal que reservara o passeio também. Qual não foi a surpresa de Lucinha quando vê o casal chegar! Era uma sua amiga de muitos anos. Haviam perdido contato com a mudança dela do bairro. Também estava casada, apresentaram os respectivos maridos, e esperaram a saída do barco. O barco começou a deslizar bem devagar e foi saindo do píer em direção ao canal. O passeio era muito gostoso. O canal era muito bonito, rodeado de mansões cinematográficas, e o capitão ia contando a quem pertenciam as casas (só celebridades da época) Quem comprou a de quem, quem perdeu casa no jogo, tinha até palacetes pertencentes a personalidades do jet set internacional. Um luxo!! O barco foi até o final do canal que desembocava no mar. E navegou mar adentro, deslizando naquela tarde quente de verão. Uma delícia. E o barco ia quebrando as ondas já altas, mar aberto. Enxergava-se as praias bem ao longe. Estavam bem distante da costa, quando o barco passou a fazer um barulho estranho. Um poc poc, e mais um chof chof, e parou. O capitão, muito lépido, desceu até as máquinas para resolver o problema. Começou a demorar, e todos começaram a ficar preocupados. O barco balançava cada vez mais, com ondas mais altas e um vento bem forte. Lucinha (muito friorenta), sentia um friozinho esquisito. Após uma espera inquietante, surge o capitão, enraivecido. Dizia que trabalhava com esse barco havia 25 anos e nunca havia acontecido aquilo. Não conseguiria tirar o barco dali tão cedo. Teria de pedir ajuda a quem passasse. Lucinha, e Vera, era esse o nome da amiga, fizeram cara de medo, a tarde já estava caindo, quem passaria por ali?? Ficaram em compasso de espera, ouvindo o dono do barco lamuriar-se, quando passa uma lancha a 200 km por hora. O capitão, quase se jogou do barco fazendo sinais para o motorista da lancha, que, graças a Deus, viu os acenos desesperados do homem e voltou. Rapidamente, o capitão explicou o que estava acontecendo e o rapaz se mostrou solícito, dizendo que os levaria para o píer e avisaria alguém para ir socorrê-lo. Que alívio todos tiveram! E começou a maratona de pular do barco para a lancha. Claro, foi aquela confusão para as meninas fazerem isso (imaginem o joelho da Lucinha), já, que as duas embarcações pulavam alto com as ondas do horário avançado. Mas, como jovem acaba achando tudo uma aventura, acomodaram-se, e o motorista engatou a marcha para sair em disparada, despedindo-se e ouvindo mil pedidos de desculpas do capitão.

A lancha voou em direção à costa e todos, de cabelos esvoaçantes, estavam curtindo horrores aquela volta. De repente, ouviu-se um poc poc e em seguida, um chof chof, e...a lancha parou. Lucinha já estava achando que o problema era com eles. Afinal, desde que saíram de São Paulo, tudo acontecia. O proprietário da lancha, não estava acreditando naquilo e nem entendia o que estava acontecendo. Por sorte, já estavam bem pertinho do píer e tiveram que munir-se de um pouco de paciência até que o vento e as ondas os levassem até a amurada. Outro “auê” para pularem da lancha para a terra. Agradeceram muito e deixaram a lancha e o dono com cara de bobo, parado ali sem nem saber o que fazer.

Mas, como jovem curte tudo, despediram-se e ficaram de encontrar-se para um jantar em um restaurante indicado pelos amigos. Marcaram para as 21h. Daria tempo de todos voltarem com calma, tomarem banho e refazerem-se do passeio tumultuado.

Lucinha e Adauto estavam meio perplexos com tudo. Caramba, dois barcos quebrarem numa mesma tarde e com eles dentro! Vai saber...e foram embora para o camping. Lá chegando, encontraram os amigos a quem relataram o acontecido. Todos riram e falaram que eles, que já vinham “zicados” de São Paulo, tomassem cuidado com tudo.

Depois de um “até mais tarde”, os dois entraram num gostoso banho, arrumaram-se e rumaram pro tal restaurante. Quando estavam se aproximando, pelas luzes do tal lugar, chegaram a ter calafrios. Era um tremendo restaurante, chiquérrimo, cinco estrelas. Local para quem estava muito cheio da grana, o que não era o caso, pois além de terem gasto muito com todas aquelas parafernálias que compraram, tiveram despesas com mecânico, farmácia, e ainda queriam ir para Guarapari. Bom, já estavam lá, não havia muito o que fazer. O ideal seria escolher a comida pelo preço. Logo na varanda encontraram o casal tomando um aperitivo e sentaram para acompanhar. Pediram caipirinhas (de pinga, mais barata), enquanto os dois tomavam um whisky. Até aí, tudo bem. Petiscaram algumas coisas e foram para a mesa. O local era um luxo, muito lindo e o garçom logo veio com o “menu” para a escolha dos pratos. Lucinha, abriu e pôs-se a olhar os preços. Passou pelas entradas, saladas, peixes e frutos do mar e parou nas carnes. Na verdade, não tinha nada barato, tinha apenas, o menos caro. Acabou optando por um filé à gaúcha acompanhada por Adauto (prato individual), e tomariam cerveja. Lucinha fazia as contas mentalmente, não queria nem ver quanto daria a conta. Enquanto isso, Vera e Rodrigo ainda escolhiam o que comer. O garçom na espera, os dois decidiram por uma lagosta a Thermidor, uma não, duas, e, para acompanhar as lagostas, vinho branco chileno. Nossa! Jamais um jantar demorou tanto para passar. O estômago de Lucinha dava voltas com o cheiro da lagosta e o gosto da carne. Ficou morta de vontade...Que raiva! Poderiam ter comprado menos coisas para a droga da barraca. Mas, já foi, paciência. Estaria bom se não tivessem de pagar o jantar com as ferramentas e lanternas de ultima geração que Adauto fez questão de comprar, e que nem ao menos sabia usar. Enfim, o jantar transcorreu tranqüilo e o casal queria marcar novo programa para o dia seguinte, coisa que Lucinha e Adauto declinaram e explicaram que não seria possível. Tinham um compromisso marcado com o pessoal do camping, inadiável.

Mas, o pior estava por vir. Lucinha não aceitou sobremesa (não era chegada a doces mesmo), mas teve de esperar a amiga acabar o “Petit Gauteau” e Rodrigo devorar os “profiteroles com calda de chocolate”, pra poderem pedir a conta. Qual não foi o espanto de Adauto e Lucinha quando a conta chegou e Rodrigo fez as contas rapidinho para racharem. Nossa! Daí o estômago virou mesmo. Lucinha quase desmaiou, tomou cerveja e comeu carne, e pagaria por lagosta e vinho chileno! Ninguém merece mesmo!! As olheiras de Adauto já estavam nas bochechas, mas, pegou o talão de cheques e mandou ver. Puxa vida, quantos filés à parmeggiana e camarão à paulista poderiam comer naquele restaurante sem porta. Porém, chorar pelo leite derramado não adiantaria. Depois do cafezinho e licor, as despedidas e a promessa de irem procurá-los no hotel que estavam hospedados. Coisa que Lucinha e Adauto nem prestaram atenção onde era. Não apareceriam por lá de jeito nenhum.

Nessa noite, Adauto não tinha inspiração nem para tocar seu violão. Só depois de muita insistência foi que dedilhou algumas músicas para a turma já reunida na barraca dos dois. Foi a noite da indigestão, até azia tiveram, coisa não muito normal para pessoas tão jovens.

Novo dia, calor, sol lindo, e toda a energia da galera fervendo logo às sete da manhã (também, aquela barraca era pior que sauna), e o café da manhã era sempre um tumulto, normalmente, por causa da ressaca do pessoal. Nesse dia, todos foram juntos para a praia do centro e passaram um dia super legal. Incrível, nada aconteceu, além de Adauto e Lucinha descobrirem Osvaldina e Rodrigo na mesma praia. E fizeram de tudo para esconder-se.

À tarde, reuniram-se todos no vôlei, Adauto estava num time já formado quando César chegou convidando as meninas que não estavam jogando para um passeio na sua lancha. Todas toparam, e lá foram todas com o menino para um passeio, que seria básico, (segundo eles se Lucinha não estivesse junto). Foram todos para a prainha e entraram na água até onde a lancha estava ancorada. César, “se achando”, pulou na lancha para desamarrá-la e ajudar as meninas a subir. Todas acomodadas, ele deu a partida e saiu em disparada e quase entra numa árvore da outra margem, parecendo um doido. E assim foram, “a milhão”, todo mundo enlouquecido no barco. Cabelos esvoaçando, saídas de banho quase arrancadas pelo vento e de repente...poc... poc...chof... chof, acho que nem preciso contar o que aconteceu em seguida, não é? A lancha parou. César, levantou-se no barco e olhou direto para Lucinha: “a culpa é sua, se eu não soubesse tudo que vem acontecendo a vocês desde São Paulo, não estaria dizendo isso”. Lucinha ficou sem saber o que dizer, e César completou: “Você vai voltar nadando, só assim tenho certeza que faço isto funcionar de novo.” Pela cara que ela fez, e os olhos marejados, ele tratou de disfarçar e dizer que era brincadeira, mas, na verdade, não era. Todo mundo achava a mesma coisa. E de novo, tiveram de esperar passar alguém para socorrê-los e voltaram rebocados até a prainha do camping.

Lucinha já estava ficando invocada com aquilo. Alguma coisa estava errada, mas, pensar assim era atrair mais coisas negativas e, como jovem esquece rápido, lá foi ela para a quadra e entrou no vôlei junto com Adauto. Entrou no lugar de uma menina que já estava cansada e teve de começar a agüentar a gozação do pessoal, que, nestas alturas já sabia de como tinha sido a volta do passeio na lancha. Começa o jogo e saca daqui, corta dali e num pulo perto da rede Lucinha cai com um berro. Um caco de vidro atravessou seu pé. Estava na areia, claro, escondido, provavelmente esperando por ela. Outra confusão. Parou o jogo. Adauto ajudou-a a sair de lá quase carregada. Tudo de novo, água oxigenada, Merthiolate, gaze, esparadrapo e Lucinha volta a mancar (agora do outro lado).

Nestas alturas ela já se perguntava se deveriam ter feito a troca da festa pela viagem. Já tava sentindo saudades dos pais, do irmão, das vizinhas, da cabeleireira, enfim. Mas, como jovem não fica triste por muito tempo, Lucinha já estava cantando com Adauto na barraca cheia de gente (com o pé pra cima, claro).

O resto da viagem transcorreu em sossego. Também com as cicatrizes que tinham adquirido, nem precisava de mais nada. As únicas coisas que ainda aconteceram, foi que a turma não os deixou sair do camping para ir para Guarapari. Ameaçaram de esconder malas, furar pneus, entre outras coisas mais sádicas. E um enjôo matutino de Lucinha que todos diziam ser uma gravidez (ganhou até colher de bebê dos amigos). Mas não era gravidez. Provavelmente era só para fechar a viagem com chave de ouro. Vomitou todas as manhãs até ir embora.

Dia de despedida, todos trocando telefones e endereços. Uma pontinha de tristeza por largar tantas pessoas legais, mas São Paulo os esperava, já lá se iam 26 ou 28 dias desde a chegada ao Rio. Sairiam no dia seguinte, no domingo, pela manhã. Na segunda-feira, Adauto voltaria a trabalhar.

Domingo amanhece, e Adauto e Lucinha desmontam tudo para a viagem de volta. Mão de obra é pouco. Chegar e montar o circo é difícil, mas desmontar é bem pior. Guardaram tudo no carro e, com um monte de gente acompanhando o carro, saíram em direção ao Rio de Janeiro, pois a Dutra e uma vida os aguardavam.

A viagem transcorreu normal, apesar de quase acontecer um acidente na chegada a São Paulo (que estava imersa nas chuvas), a marginal estava alagada, e um caminhão quase passou por cima deles.

Os pais de Lucinha não acreditaram em tantas marcas que eles tinham de tombos, cortes, e do sol. Parecia que tinham ido para a guerra. Mas, estavam sãos e salvos.

Segunda-feira, depois de um lauto café da manhã (primeiro e último que Lucinha fez durante o casamento), Adauto dirige à marginal para o primeiro dia de trabalho depois das grandes férias. Quase não chega à empresa, o pára-brisas estourou uns oito km antes do fim do percurso. Terminou o percurso com a cabeça pra fora.

Adauto e Lucinha permaneceram casados por 25 anos, tiveram três filhas lindas, orgulhos dos dois. Hoje, divorciados, mas amigos, curtem quatro netos e mais um por nascer. O casamento acabou, mas a lembrança dessa lua-de-mel não cairá no esquecimento de ninguém que soube da história e muito menos de quem a viveu.