Coisas Que Só Acontecem Comigo - XL. Dona Redonda

A Primeira Lei de Newton diz que, a tendência dos corpos é permanecer no estado atual, quando nenhuma força lhes é aplicada, ou seja, repouso ou movimento retilíneo uniforme. Deixemos por ora esse assunto e entremos no que interessa.

Andar em transporte coletivo no Brasil requer não somente paciência com bom humor. Não raro acontecem casos que beiram o absurdo. De assaltos a xingamentos, de vendedores de bugigangas a dedada no olho (pra não dizer em outro lugar), tudo é possível.

Eu ainda morava em Teresina no inicio da década de 80. Na quadra dos fundos a minha, morava uma senhora que gostava muito de conversar comigo e digamos que a recíproca era inversamente proporcional. Ela deveria pesar uns 150 kg distribuídos em 1,65 de altura. Ora, ela baixa e muito gorda, eu alto e muito magro. Não éramos propriamente duas agulhas num palheiro difícil de sermos observados a duzentos metros de distância. Formávamos um por esquisito e de mais desagradável era que já haviam me perguntado se ela era minha mulher. Certamente já lhe fizeram a mesma indagação. De minha parte não era rejeição preconceituosa, mas de defesa, para evitar olhares e comentários. À boca de siri, sabia-se que a chamavam de “Dona Redonda” em alusão a uma personagem de novela global, mas que ninguém a tratava assim diretamente.

Ora por outra pegávamos o mesmo ônibus para o centro e quase sempre ela entrava pela porta do meio, evitando a catraca. Naquele dia, sabe-se lá a mando de quem, ela achou de entrar pela porta da frente comigo e me era evidente que ela desceria por onde entrara.

Eu passei e tomei assento, enquanto ela ficara na primeira parte do transporte. Lá para as tantas, entra uma senhora com uma criança aos braços e tive que ceder meu lugar. Lembro-me que estávamos entrando na “curva da morte”, um trecho pertencente à BR-316, que não era à toa que tinha tal nome. Foi quando me dei conta de que rolava uma discussão entre uma passageira e o cobrador, por motivo de troco de CR$ 0,05 (cinco centavos de Cruzeiro). Isso não era de todo raro, especialmente porque, os cobradores inventaram de dar essa quantia em balas, mas não recebiam balas como pagamento. A relação entre essas partes foi sempre de tensão. A surpresa para mim foi que uma das beligerantes era Dona Redonda, que de per si já arrebatava todos os olhares. Para complicar o que já era complicado, a mulher entalara na catraca, não retornava por que a catraca tem um engate que não permite isso e para frente não deslizava. O povo ria, ria não, gargalhava e mais nervosa ficava a mulher...

Voltemos agora ao início da página onde falei de Sir Isaac Newton. Com certeza, aquele motorista nunca ouvira falar na Lei da Inércia, mas de alguma forma aprendera empiricamente suas consequências durante a vida. Confusão sem solução, a mulher entalada, eu de pé respaldado por uma proteção para cadeirantes. O motorista acelerou o carro dentro da curva a direita, de repente, dá uma pisada rápida no freio e acelerou novamente. A frenagem jogou a senhora para frente e seu peso instantaneamente acrescido fez com que ela desentalasse da catraca e veio direta no meu sentido que, por reflexo impensado ou instinto animal fiz um movimento para evitar que ela se esborrachasse no piso do ônibus. Pobre de mim! No veículo havia muita gente em pé e eu nem tive tempo de ver mais nada, só um rolo compressor passando por cima de mim com a fúria de um dragão. Umas três pessoas foram vítimas do efeito dominó.

O motorista parou o carro devido a gritaria, ouviu algumas gentilezas e por muito pouco não levou uns sopapos. Eu desci, tomei um táxi e retornei para casa tudo amassado, com algumas escoriações e já pensando no tamanho da resenha que daria aquilo.

PS.: Não percam na sequência, neste mesmo horáio e batcanal, o soneto A CIGARRA.

Um Piauiense Armengador de Versos
Enviado por Um Piauiense Armengador de Versos em 25/04/2018
Reeditado em 27/06/2020
Código do texto: T6318399
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