Sob o sol Matinal

Frio descomunal. O sol embarafustado mede forças com a neblina espessa. Um raio entra por aqui, outro vaza por ali. Aos poucos, parcimoniosamente, vai ganhando a batalha. Orvalho desfaz-se em gotículas de água. Deslizam solenemente pelas folhagens. O astro rei vai revelando o que é para ser revelado.

Acabrunhada, Heliodora sai do ninho. Senta-se no meio fio em frente à sua casa de taipa. Como uma ninhada de pintos em fila indiana, os filhos chegam um a um. Feito novelo de lã, enroscam-se como podem.

Heliodora pede licença aos filhos; e vai à cozinha. Mão na panela. De volta ao lar ambulante, destampa-a, expondo o alimento ao sol. O resto da janta será o almoço do dia. Angu encaroçado: fiel ao juramento feito, esse é o alimento que Genivaldo come à mais de 20 anos.

Sem um pingo de apetite nos últimos 16 anos, come somente para não morrer de fome, às vezes passa-lhe pela mente que algumas pessoas morrem, antes mesmo de nascer. Jogando carteado, ouviu do adversário: "respirar nessa terra, é como jogar truco, Genivaldo: uns morrem pela fartura de cartas na mão, ou falta delas; ou por inanição. Fugimos da rotina, dizemos não aos tormentos e tentamos nos iludir jogando truco, porém, até debaixo da luz do sol, morremos à cada segundo por intoxicação alimentar".

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 23/05/2018
Reeditado em 24/05/2018
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