dissabor

O alinhamento dos astros era cômico, ele pensava. Não cômico no sentido de gargalhar por conseguir ver uma das três marias ou o cruzeiro do sul. Cômico pois o fazia sentir um ninguém, mas ao mesmo tempo o fazia sentir tudo. A sua insignificância para o universo era óbvia só de passar cinco minutos encarando o céu estrelado, ou o horizonte marítimo, as montanhas que dão o tom à serra ou qualquer outro grande cenário natural. Se sentia, em um primeiro momento, um nada, um ninguém, mas passados os cinco primeiros minutos, uma outra sensação o invadia. O que o fazia existir? Que contrato foi assinado o dando a oportunidade de simplesmente ser? O que faz ele ser ele e não qualquer outra pessoa no vasto universo? Ao pensar nessas perguntas, um sorriso preenchia seu rosto triangular e até algumas pequenas e tímidas lágrimas banhavam o canto de seus olhos castanhos. Ele era sim alguém. Fechou a cortina e foi dormir.

O dia seguinte seria único pois completava o primeiro ano sem quem ele considerava o amor de sua vida. O jeito, os olhos, os cabelos, a boca e as delicadas mãos de sua amada não faziam mais parte do seu cotidiano. Logo ela, pensava, logo ela que jurou estar sempre do meu lado, amor eterno, que nem a morte nos separaria, logo a única pessoa que eu amei não estava mais ao meu lado. Isso o fazia se sentir um ninguém.

Foram quatro anos de um amor único. Nunca na vida ele havia sentido algo parecido, seu peito apertava só de ouvir no nome de sua amada, seus olhos brilhavam quando encontravam os dela no meio de alguma multidão. Ela o fazia sentir especial e agora que não a tinha mais em sua vida seu medo era apenas um: perder a vontade de existir. E ele estava perdendo, aos poucos, mas perdendo. Começou abandonando as apostas em cavalos. Na cidade corria o comentário que era uma coisa boa que o fim do relacionamento havia trazido. Ele fingia não ouvir, abaixava a cabeça e apertava o passo. Depois, ele realmente parou de ouvir, já que não saia de casa. Perdeu o contato com os amigos, não voltou mais para a edição do jornal em que trabalhava, não ligou mais para a vó doente que não via há anos, deixou de comer, de ler, de escrever, deixou de ser.

O que o trazia alegria era a noite, contemplar as estrelas, lembrar dos juramentos com a amada, sempre iluminados pela luz lunar. Ver as estrelas que antes contavam e nomeavam juntos, contemplar a lua sempre lembrando que sua amada prometera que sempre estaria contemplando junto. Lágrimas foram rareando, ele não mais chorava – entendeu que não mudaria nada. E, como atingido por uma ideia brilhante, uma ideia cinematográfica, ele decidiu agir. Só assim mudaria as coisas. Decidiu, um ano depois, ir atrás de sua amada.

Nunca esqueceu o endereço onde ela estaria, era impossível. Em passos rápidos na fria madrugada de outono, ele se encaminhava por ruas que não andava há meses. Andou por quase uma hora na sua pacata cidadezinha e chegou no endereço. O portão estava entreaberto, ele sorriu e empurrou com leveza as enferrujadas grades de ferro. Não ligou, estava extasiado com a proximidade de sua amada. Andou por alguns minutos no mórbido silêncio daquele terreno naquela madrugada e, chorando e soluçando de emoção, finalmente encontrou o lugar onde jazia sua amada.

Com as mãos trêmulas de excitação, cavou a fria terra por horas e só descansou após beijar o gélido rosto de Carolina.