Outra de Lobisomem

 
No sertão do Ceará, há muito tempo, havia uma mulher muito trabalhadora, valente e boa mãe. O marido dela tinha ido embora para o Amazonas, quando do ciclo da borracha.
Para quem não sabe, nesse período da história uma grande leva de cearenses aventurou-se pela selva amazônica em busca de um meio de sobrevivência para si e para os seus que padeciam devido às secas do final do século XIX. Os seringais proliferavam, muitos homens iam e poucos voltavam e, se voltavam, vinham magros, amarelados pela malária, desiludidos com a vida e com o mundo. Eram os Soldados da Borracha. E o marido da Maria, infelizmente, foi um dos que nunca retornaram. Mas nem por isso a sertaneja se amofinou. Era jovem, tinha dois braços para trabalhar, cinco meninos para criar e uma vontade de viver como há em poucos. Essa era a Maria. Morena, cabeluda, gostava de criar gatos (que sumiam inexplicavelmente), lavava roupa no açude, trabalhava nos roçados dos ricos em troca de milho, feijão e jerimum, cozinhava que era um primor. Mas havia um porém: em certas noites do mês, mais precisamente quando a Lua estava cheia, a Maria saía quando o Sol se punha e só retornava de madrugada. Como, naquele tempo, as casas do interior ficavam distantes umas das outras, não se ouvia falar dessa excentricidade da mulher. Só os meninos estranhavam quando a mãe trancava a porta da frente, recomendando que eles não se danassem e cuidassem do mais novo. Ah, mas sabem como é criança: dizer que não façam uma coisa é mesmo que mandar.

Em um desses episódios de passeio da Maria, Zezinho, o terceiro filho, teve uma ideia:
"Por que que nós não vai atrás da mãe, negrada?"
Não precisou nem repetir. Logo os cinco se assanharam, imaginando mil diabruras, sozinhos pelas varedas, comendo canapum e galinha madurinha. Saíram pela porta da cozinha, pegaram o aceiro do mato e chinelaram.
Acontece que a aventura não foi lá essas coisas. Estava escurecendo, a fome bateu e o medo começou a passar o dedo ossudo e frio pelos espinhaços deles. Começaram a se lembrar de histórias mal-assombradas, do babau, da mulher-duma-banda-só, da carona do Capitão-Mor. E para disfarçar o medo, conversavam alto e riam.
Em determinado ponto do caminho depararam-se com uma latada de Marmeleiro. A Lua estava clarinha, dava para ver tudo, inclusive um vulto preto escondido entre as folhas, acocado, os olhos amarelos faiscando.
Oh, rapaz. Pra que. Quando os meninos deram fé do vulto, ficaram paralisados, suando frio e o Zezinho, com um fiapo de voz, ainda conseguiu dizer:

"A mãe pensa que nós tem medo!..."

E o bicho deu uma risadona grossa, quente, meio riso, meio rosnado, que botou os cinco para correr com gosto de gás, correram chega o pé batia na bunda, quando chegaram no terreiro de casa o Zezinho caiu e os outros caíram por cima, o mais novo caindo e mijando em cima de todos.
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 11/08/2018
Reeditado em 07/01/2019
Código do texto: T6416277
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