TROCA DE CASAIS

 
Gilda é uma professora de nível secundário que depois de trinta anos de magistério, se aposentou. Ela agora está com cinquenta e três. Foi casada durante vinte anos com Waldemar, também professor secundário, com quem teve dois filhos, uma moça e um rapaz, que agora estão casados e moram em outro estado. Por razões que agora não vem ao caso, Gilda se separou de Waldemar e do resto da família, que praticamente não vê há uns dez anos. De vez em quando os filhos de Gilda mandam os netos para passar alguns dias com a avó, mas isso é tudo que restou das antigas relações familiares dela. 
Não se pode dizer que Gilda tivesse sofrido muito com isso. Tão logo ela se separou do Waldemar e ele ganhou a guarda dos filhos, que a bem da verdade, preferiram acompanhar o pai, Gilda começou uma nova vida. Conheceu Roberto em um desses bailes de terceira idade, dançaram a noite inteira e uma semana depois estavam morando juntos. 

Roberto era viúvo. Sua esposa morrera há dois anos atrás e a relação estabelecida com Gilda caiu como uma luva para ele. Engenheiro aposentado da área de segurança , ele havia começado uma nova carreira como consultor de empresas para a área. Gilda, que também procurava uma nova área de atuação ajustou-se muito bem como sua secretária e agente, mostrando uma grande aptidão para vendas e administração. Durante três anos desfrutaram de uma relação harmônica e prazerosa, que parecia satisfazer plenamente aos dois.
Foi em uma rodada de negócios, promovida pela própria Gilda, que ela conheceu Marta, uma fisioterapeuta que havia acabado de abrir uma pequena clínica de fisioterapia na cidade. Marta era casada com um conceituado médico ortopedista, o Dr. Márcio, há cerca de trinta anos. Por opção do casal não tiveram filhos, mas viviam uma sólida relação matrimonial, que á toda vista não apresentava rachaduras.
Marta tinha cinquenta e dois anos. Logo se estabeleceu uma estreita amizade entre os dois casais. Eram sempre vistos juntos em restaurantes, festas e bailes. Eles gostavam muito de dançar. Fizeram várias viagens juntos, dentro do país e até para o exterior, mostrando o quanto a companhia de um era agradável ao outro casal. 
Quase um ano se passou e a sociedade da pequena cidade onde eles viviam já havia se acostumado ao que o povo chamava de “quatrilho”, parodiando os personagens do livro homônimo de José Clemente Pozenato, que foi transformado em um belo filme dirigido por Fábio Barreto. Porque os dois casais não se desgrudavam. Parecia um só. Quem convidasse um teria que convidar o outro, pois sabia que se um deles não fosse, o outro também não iria. 
Mas um dia, para surpresa geral, Gilda anunciou a alguns amigos mais chegados que sua relação com Roberto havia terminado. Isso, segundo ela disse, já havia acontecido alguns meses atrás, mas ninguém soubera do fato, porque além de não terem contado á ninguém, eles continuavam a aparecer em público como se ainda estivessem juntos. Mas a surpresa maior foi a descoberta que Marta e Márcio também haviam se separado e já estavam até tratando do divórcio. Isso também já havia ocorrido há alguns meses atrás, mas não fora comunicado a ninguém.
Porém, a surpresa maior foi saber depois que Gilda e Marta estavam morando juntas e já estavam planejando se casar assim que o divórcio de Marta fosse homologado. Estavam até projetando, para depois do casamento, adotar uma criança. 
Mas as surpresas não terminaram aí. Logo se constatou que Roberto e Márcio também estavam morando juntos. Segundo eles, estavam dividindo um apartamento alugado para diminuir despesas e também por questão de companhia. Os dois eram vistos constantemente em bailes, festas, restaurantes, sempre juntos, e nunca com companhia feminina. Não admitiam nada do que se falava a respeito deles, mas também não faziam nenhum esforço para desmentir. 
A aposta, na cidade, agora, era para saber qual dos dois lados da relação resolvera mudar de pólo. Se tudo começou com yin ou com yang. 
Mas havia uma coisa interessante em tudo isso. Volta e meia os quatro personagens desta história eram vistos juntos. E quem era bom observador podia perceber que não existia o menor constrangimento entre eles. Parecia que nada havia acontecido e que o antigo quatrilho ainda estava ativo. 
Mas para quem olhasse para o grupo com olhos reprovadores e fizesse comentários desairosos, o filósofo da cidade, um sujeito chamado José Amarildo, tinha uma resposta pronta e engatilhada, que muita gente achava bastante sábia. A resposta era que a natureza nunca fazia nada á toa. Que ela sempre tem uma solução para tudo. Como até agora a ciência não conseguira anular a Lei de Malthus, e se nada fosse feito para estancar a superpopulação, a vida na terra logo se tornaria impossível. Assim, segundo Amarildo, a própria natureza resolvera tomar providência invertendo os pólos da sexualidade humana. Yin estava se tornando mais yang e vice versa. E assim será até que tudo entre em equilíbrio outra vez. 

Se ele tem razão eu não faço a menor ideia. Mas o velho Thomas Malthus, e quem sabe também o Charles Darwin,  talvez concordassem com ele.Tudo faz parte da seleção natural. A natureza sempre encontra uma forma de corrigir os males que a humanidade, na sua marcha inconseqüente e irresponsável, provoca. Quem viver verá. Feliz ou infelizmente, eu não vou viver , por isso não preciso me preocupar com essas coisas.