UM DEDO DE FELICIDADE
 
A pessoa caiu dentro de um poço. Diziam todos que era muito profundo. Mas quando ela foi resgatada, não tinha nenhum osso quebrado. Pela noite, na pequena vendinha do vilarejo o assunto era o fato.
 
Encontrei com ela quando eu voltava para casa em minha velha bicicleta. Ela estava indo para o vilarejo em sua charrete puxada por uma égua que outrora tinha sido minha. O animal parece ter reconhecido minha voz na escuridão.
A pessoa disse que precisava me entregar algo estranho que ela tinha encontrado no fundo daquele posso. Fiquei assustado.
 
Ela ligou sua lanterna e tirou do bolso um embrulho pequeno. Entregou-me. Abri com a curiosidade saltando dos meus olhos que logo foi substituída pelo espanto. A pessoa tinha acabado de me entregar meu dedo que eu havia perdido há três anos picando as costelas de um porco com uma machadinha muito afiada.
 
Em casa, olhando à luz da lamparina aquele artefato que já tinha sido parte de mim, lembrei-me que havia sido dito na vendinha ser a égua que havia derrubado a pessoa dentro do poço. Foi o mesmo animal que me viu cortar o dedo enquanto pastava próximo à varanda enquanto eu desossava o porco para alimentar a família e fazer algum dinheirinho com os torresmos. Eu havia vendido, após o acidente, o animal para pagar algumas dívidas que não estava conseguindo saldar, entre elas, a da farmácia onde comprei todo medicamento para cicatrizar minha mão.
 
A pessoa em questão nunca foi carinhosa com o animal. Minha mãe, por causa do Alzheimer, havia esquecido onde colocara meu dedo. Então, minha velha égua, que a viu jogar o dedo no poço no sítio vizinho, pensou certamente que se eu tivesse aquele pedaço de mim de volta, poderia buscá-la para onde ela era feliz.
 
 
Cláudio Antonio Mendes
Enviado por Cláudio Antonio Mendes em 01/09/2018
Reeditado em 09/09/2018
Código do texto: T6436677
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