O DENTISTA DE BRINCADEIRINHA

Na minha cidade havia um dentista com o mesmo nome que eu. Doutor Ivan era um renomado profissional que logo ficara conhecido na nossa cidade e região. Nesta mesma cidade morava o filho de um primo meu, Paulo Márcio, que costumava andar comigo para todos os lugares.

Eu, não tendo muito o que inventar na vida, disse para o garotinho de apenas 7 anos que ele deveria me chamar de Doutor Ivan onde ele me encontrasse, inclusive em público. Aquilo era apenas uma brincadeira e também era uma forma de enaltecimento. No interior do Nordeste, especialmente naquela época, qualquer pessoa letrada era chamada de “doutor”.

A brincadeira ia dando certo até o dia que Paulo Márcio se viu agoniado com uma dor de dente e a sua mãe teve que leva-lo ao dentista. Sem saber do meu acordo com Paulo Márcio, a mãe disse-lhe que o levaria ao Doutor Ivan para retirar o dente que não o deixava dormir a noite! Pensando que se tratava do primo maluquinho, afinal, ele não nunca ouvira falar no doutor de verdade, Paulo Márcio não fez qualquer relutância.

Ao chegar à sala do dentista, Paulo Márcio foi logo dizendo que não queria ser atendido por aquele médico, pois a mãe teria prometido de que o seu dente seria extraído pelo Doutor Ivan. O médico sorriu e disse que ele era o próprio e que não existia nenhum outro doutor Ivan naquela cidade! A mãe tentava convencer o garotinho a sentar-se na cadeira do dentista, mas ele se negava e pedia para chamar o primo!

- Eu quero o Doutor Ivan! Esse não é o Doutor Ivan! Insistia o garotinho chorando.

Depois de muita insistência e confusão, o médico pediu explicação para a mãe sobre o mal entendido, pois ele nunca ouvira falar que naquela região existisse outro concorrente e ainda mais um xará. A mãe explicou a parte que sabia, dizendo que o seu filho realmente tinha um primo que tinha o mesmo nome do dentista, mas que ele não era médico!

O fato é que Paulo Márcio não permitiu que o médico retirasse o dente de leite que tanto o perturbava. O médico receitou uns medicamentos e pediu para que a mãe o trouxesse na semana seguinte. Sorte a minha era que a mãe do menino era uma das pessoas mais calmas que já vi e levava tudo na esportiva, sempre achando graça de tudo e relevando até as situações mais pesadas!

Depois de eu saber do acontecimento, confesso que fiquei com a consciência pesada. Apesar de ser uma brincadeira aparentemente inofensiva, eu acabei prejudicando o meu primo e criando uma pequena confusão. Fiquei com vergonha de ter sido o responsável por ter provocado todo aquele mal entendido e desde então, nunca mais fiz brincadeira igual.

Pouco tempo depois eu saí daquela cidade e nunca tive contato com o verdadeiro Doutor Ivan. Sei que ele continua atendendo naquela região. Imagine qual seria a reação dele ao encontrar-me? Ainda bem que eu nunca precisei ir à clínica dele, mas confesso que eu já aprendi a lição. Uma mentira, mesmo que seja só uma brincadeirinha, pode transformar-se numa grande confusão!