Cores da América

- Filmes coloridos? Ah, sei... dizem que são o futuro - comentou sem grande interesse Carl Bryant, dono de uma rede de casas de espetáculos na Califórnia. - Aliás, afirma-se que filmes coloridos e sonoros vão dominar o mercado algum dia, mas falemos sobre o aqui e agora, sr. Weber. O seu sistema de filmes em cores exige equipamento especial de projeção, correto?

- Bem... sim, é verdade - teve que reconhecer Irving Weber, o representante da Kinemacolor Company of America para a Costa Oeste. - Mas este é um pequeno preço a ser pago pela absoluta novidade que o sistema Kinemacolor representa! Somos líderes absolutos de mercado, como deve saber. As salas que exibem nossas produções registram um grande afluxo de espectadores.

- Acredito que isso ocorra mais pela novidade do que pela cor em si - questionou Bryant. - No início, qualquer coisa filmada gerava longas filas à frente dos vaudevilles que as apresentavam... hoje, o público anda bem mais exigente, sr. Weber. Que produções o seu estúdio têm para exibir?

Esse era o calcanhar de Aquiles da Kinemacolor, bem o sabia Irving Weber. A empresa fora formada a partir da compra dos direitos de uso do sistema em cores da matriz britânica, que também produzira alguns filmes - bem ruins, por sinal.

- Temos alguns documentários feitos no Reino Unido, como, por exemplo, a coroação do rei Jorge V, que fez muito sucesso aqui nos EUA.

Carl Bryant não pareceu ficar muito impressionado.

- Eu vi alguns dos seus filmes, num concorrente. Sim, eu vou aos concorrentes, ver se têm algo que eu não tenho, e que possa utilizar nas minhas salas. Além da coroação, havia um incêndio num hospital... deveras impressionante visto em cores, devo admitir... soldados britânicos marchando, com seus belos uniformes vermelhos e dourados, e uma história sobre uma abóbora que vira um homem. Tudo muito colorido, mas notei que o público estava esperando algo mais: ação, drama, comédia. Não há nada disso nos seus documentários, sr. Weber.

O representante empinou o corpo na cadeira.

- Mas sr. Bryant, é justamente este o motivo da minha visita. Gostaria de anunciar, em primeira mão, que a Kinemacolor Company of America irá produzir um longa-metragem, baseado num livro de grande vendagem. As filmagens devem começar em breve, e esperamos poder lançar a produção no início de 1912!

- Um livro de grande vendagem, o senhor diz - Bryant cruzou os braços, ar de desafio. - Que obra seria essa capaz de trazer multidões para assistir o seu filme colorido?

- "The Clansman", de Thomas Dixon - revelou orgulhosamente Weber. - Como deve saber, o livro foi transformado numa peça teatral, e há diversas companhias cruzando o país, encenando-a com grande sucesso.

- Grande Scott! ESSE livro... - espantou-se Bryant. - Parece mais um panfleto de recrutamento da KKK!

- É uma obra polêmica, fato - admitiu Weber. - Mas se o que a sua audiência deseja é drama, certamente o terá em doses cavalares neste filme.

Bryant levou a mão direita ao queixo, ar pensativo.

- Há o linchamento de um negro na peça, salvo engano?

- De fato, há. É um dos pontos altos da história, aliás.

- Estou aqui me perguntando se o bom público da América irá querer ver sangue derramado em cores reais na tela.

- Ouso dizer que, até por isso, "The Clansman" será um divisor de águas no cinema dos EUA - vaticinou Weber.

- Pois então, aguardemos este futuro chegar - retrucou Bryant. - Por ora, prefiro continuar com filmes em preto e branco mesmo. Mas a sua matriz inglesa documenta cenas do cotidiano, não é mesmo?

- Também temos produzido noticiários localmente - Weber apressou-se em informar.

- Não, não é isso, é só uma sugestão que gostaria de dar - ponderou Bryant, apanhando um recorte de jornal sobre sua escrivaninha e estendendo-o para o representante. - Acho que seria interessante se produzissem algo sobre a viagem inaugural deste transatlântico da White Star Line... é o maior navio do mundo na atualidade, e está programado para fazer a rota Southampton-Nova Iorque a partir do próximo ano. Aposto que essa viagem renderia algumas imagens bem interessantes, já que é o tipo de coisa em que vocês se especializaram.

- "Titanic"... - leu Weber, tentando demonstrar interesse. - Bem, não sei... mas vou falar com a matriz em Londres para ver o que acham.

Infelizmente para Weber, as imagens coloridas do "Titanic" afundaram junto com o navio, em 15 de abril de 1912. "The Clansman" parece ter sido concluído, mas por razões ignoradas, jamais veio a público; em 1915, D. W. Griffith lançou sua própria versão em preto e branco da história, intitulada "O Nascimento de uma Nação". Também em 1915, a Kinemacolor Company of America fechou suas portas.

- [07-12-2018]