O Exemplo

A cortina abre-se, revelando o quarto de Lady Peregrine. A dama está sentada à frente de uma penteadeira, de camisola longa, escovando os cabelos. Batem na porta à direita. Ela ergue-se, apreensiva.

- Quem poderá ser, à esta hora?

Deixa a escova sobre a penteadeira e abre a porta, deparando-se com a figura sorridente de Lord Fitzavarice.

- O que fazeis aqui, cavalheiro, no quarto de uma mulher casada?

- Vim cobrar a minha dívida - retruca Fitzavarice, entrando no aposento e fechando a porta atrás de si. Lady Peregrine recua, assusta.

- Estais louco, por acaso? A dívida é do meu marido, que partiu para a guerra! Como ousa vir cobrá-la de mim, na ausência dele?

Fitzavarice abre os braços.

- Há modos e modos de pagar uma dívida... se vossa graça ceder sua encantadora virtude aos meus desejos, eu lhe darei um documento quitando a dívida do capitão Peregrine.

Lady Peregrine leva as mãos ao peito.

- Se eu fizer isso, estarei desgraçada!

- Esteja certa de que o que acontecer entre estas quatro paredes jamais sairá daqui. Aos olhos da sociedade, a sua inocência continuará intacta.

Pressentindo a hesitação da mulher, Lord Fitzavarice puxa uma folha dobrada do bolso do casaco.

- O termo de quitação está aqui, devidamente assinado. Tudo depende do seu bom-senso.

- Posso dar uma olhada?

- Mas claro...

Lady Peregrine lê o papel, seguro nas mãos de Fitzavarice.

- Tem até firma reconhecida... - pondera consigo mesma.

- Deixe-me provar das suas delícias, e ele será seu - promete Fitzavarice.

Lady Peregrine leva a mão ao queixo.

- Está bem. Eu topo. Mas terá que ser de luz apagada, e sem conversa fiada. Quando você acabar, eu vou ao banheiro e você terá que sair imediatamente desta casa, deixando o documento.

- Feito! - Fitzavarice esfrega as mãos.

- Tire suas roupas e deite-se. Eu vou escovar os dentes.

Lady Peregrine sai pela porta da esquerda. As luzes diminuem até que o palco fique no escuro.

* * *

Quando as luzes se acendem, vê-se o quarto de Narcisa, criada de Lady Peregrine. Ela está usando a camisola da patroa, enquanto esta vestiu as roupas da empregada.

- Meia coroa de prata para me deitar com esse Lord Fitzavarice? - Questiona a criada.

- E está bem pago, que você não cobra nada dos empregados da casa - retruca Lady Peregrine.

- Mas por que tenho que vestir sua camisola?

- É uma tara do sujeito. E, por favor, nada de falar com ele durante o rala e rola.

- Credo. Gemer pode, pelo menos?

- Vá lá. E quando ele terminar, levante-se e volte para cá, para destrocarmos as roupas.

- Está bem, está bem - replica a criada. - As coisas que temos que fazer para manter o emprego, nestes dias conturbados do rei Charles...

- E antes que me esqueça, - atalha a patroa - vá escovar os dentes!

- Eu estou com mau hálito, por acaso?

- Apenas faça o que eu digo!

Resmungando, Narcisa sai do quarto, enquanto Lady Peregrine aguarda impaciente, batendo um pé, braços cruzados.

As luzes diminuem gradualmente, até tudo ficar no escuro.

* * *

As luzes se acendem. O cenário agora é a cozinha da mansão, onde Lady Peregrine, vestida de criada, está à mesa, tomando chá numa caneca. Batem à porta. Ela ergue-se e põe a caneca sobre a mesa. Ao abrir a porta, depara-se com seu marido, o capitão Peregrine.

- Walter! - Exclama ela, surpresa.

- Minha senhora! - Retruca ele, igualmente surpreso. - O que faz nesses trajes?

- Longa história, melhor se sentar - convida ela, pegando-o pela mão.

Sentam-se os dois, e enquanto conversam e gesticulam em voz baixa, ouve-se a orquestra tocando "The Bear's Dance". Quando a música termina, a conversa entre o casal torna-se audível novamente.

- Então, quer dizer que o imprestável do Fitzavarice pensa que está com você na cama, agora?

- Exatamente, meu senhor.

- Mas isso faz de mim um corno! - O capitão dá um tapa na mesa.

- Tecnicamente, sim - admite Lady Peregrine.

- Terei que lavar minha honra com sangue! - Exclama o capitão.

- Você não está em Londres só de passagem? Preocupe-se com isso quando a guerra acabar... e você não correr mais o risco de ir preso por dívidas.

- Sábias palavras, minha senhora... sábias palavras - pondera o capitão Peregrine. E apontando para a caneca sobre a mesa:

- Ainda tem chá?

- Vou fazer um pra você - retruca Lady Peregrine, dirigindo-se ao fogão com uma chaleira.

As luzes diminuem gradualmente, até que o palco mergulha novamente na escuridão.

- [10-02-2019]