O Certificado de Assentamento

Adam Freville colocou no tinteiro a pena com a qual fazia anotações no livro-caixa da paróquia, ao ouvir baterem à porta.

- Está aberta! - Exclamou.

A pesada porta de madeira da sacristia foi aberta com cuidado, revelando a figura corpulenta de Warin Fortey, um trabalhador rural do juiz La Hale.

- Com licença, senhor Freville - desculpou-se o camponês, chapéu nas mãos. - Ouvi dizer que para me mudar para outra paróquia, eu precisaria de um documento...

- É fato, chama-se "certificado de assentamento", e foi instituído pela Lei de Ajuda aos Necessitados, de 1662 - ponderou o escriturário, apoiando os cotovelos na mesa e entrelaçando os dedos. - Mas, infelizmente, não o estamos emitindo.

- Mas... eu gostaria de ir embora para a paróquia vizinha, com minha família - declarou Fortey, surpreso. - Lá posso trabalhar como tosquiador de ovelhas e ganhar mais do que aqui.

- Eu compreendo a sua posição, Warin - ponderou o escriturário. - O problema é que esta lei criou novas despesas para todas as paróquias... sua majestade nos incumbiu de cuidar dos nossos pobres, mas temos que fazer isso com o dinheiro que arrecadamos aqui, não com verba da Coroa.

- Certo, senhor Freville, entendo a parte dos gastos... mas se estou indo embora com minha família, isso não vai reduzir as despesas da paróquia? E eu sou trabalhador, não vivo da caridade pública! - Protestou Fortey.

- Você sabe para que serve o certificado de assentamento, Warin? - Inquiriu Freville.

- Não, senhor.

- Simples: se eu lhe der um, você ganha o direito de ser "repatriado" para cá às nossas custas, caso as coisas por lá não deem certo; se você não conseguir o emprego de tosquiador, por exemplo...

- Percebo - redarguiu Fortey, decepcionado. - Então, estou condenado a viver aqui?

Freville descruzou os dedos e abriu as mãos.

- Bem, Warin... você quer realmente ir embora?

O camponês balançou afirmativamente a cabeça.

- Certo, eu vou lhe dar uma dica... oficiosamente, claro. Se você mudar-se para outra paróquia e ficar lá por 40 dias sem ser incomodado, as autoridades locais terão que lhe registrar como residente. A partir daí, as despesas de remoção correm por conta deles.

- E se eu for expulso antes dos 40 dias, senhor Freville?

- Aí, as despesas de retorno são de sua responsabilidade - atalhou o escriturário.

O camponês rodou o chapéu nas mãos, enquanto pesava prós e contras.

- Fico-lhe muito grato, senhor Freville - declarou finalmente. - Eu vou arriscar.

- Muito bem, Warin. Eu lhe desejo toda a sorte do mundo em seu novo lar.

Quando o camponês retirou-se, o escriturário ergueu a pena do tinteiro e escreveu um bilhete para o juiz La Hale:

"Meritíssimo, o seu trabalhador Warin está de partida. Como não lhe forneci o certificado, talvez seja prudente derrubar a casa que ele ocupa hoje, para prevenir que retorne para cá."

Secou o papel com um mata-borrão, dobrou e colocou num envelope, o qual selou com lacre e carimbou com o sinete oficial da paróquia. Depois, retomou seu paciente trabalho de somar números no livro-caixa.

- [14-02-2019]