Meu amigo Pedro

Naquele dia eu estava decidido a contar tudo ao Pedro. Ele precisava saber da verdade. Esconder aquilo dele estava me consumindo cada dia mais. Pedro era para mim um irmão mais velho. Eu não tinha pai, minha mãe era mãe solteira e jovem. A figura masculina que eu mais me espelhava era Pedro. Ele estudava na minha escola e era seis anos mais velho do que eu. Então esconder justo aquilo dele era até vergonhoso. Nunca escondi nada dele durante minha adolescência. E justo agora que eu estava no final dela ia começar a esconder as coisas dele? Ainda mais isso que envolvia ele também.

Eu estava, como diz minha avó, numa sinuca de bico. Não sabia o que fazer.

Eu estava no meu último ano do colegial e tinha que tomar logo uma atitude, afinal eu estava virando homem feito. Se eu contasse para ele que tava namorando escondido a irmã de quinze anos dele, ele me mataria. Acho que podiam até mexer com a mãe do Pedro, mas nunca a irmã dele.

Pedro era alto, forte, tinha uma cara mal encarada. Era grosso, falava alto e altamente protetor com a família. Mas a vida é irônica e Vanessa aos quinze anos já era um mulherão. Ela me pegou de jeito e nada pude fazer. Me apaixonei e fiquei. E assim ficamos e morrendo de medo de contar tudo para o Pedro. Mas naquele dia eu estava decidido a contar tudo.

Entrei no apartamento todo decorado em azul. Tinha carpetes e abajúis e mesas e toalhas azúis. Parecia que era tudo rimado no apartamento. Sei explicar não, era a sensação que aquele azul todo me passava. Pedro sentava no sofá azul, comendo pipoca em uma vasilha azul e assistindo filme em um aparelho preto.

Eu perguntei então se ele poderia parar um pouco o filme para conversar comigo, ele me pediu vinte minutos, que era o tempo suficiente para chegar ao final. Eu já devia imaginar. Pedro nunca parou filme, nem para ir ao banheiro. Toda vez que terminávamos de assistir filmes ele saía correndo para o banheiro. Mas aí vinte minutos passaram e o filme acabou. Ele me pediu mais dez minutos para ir ao banheiro e pegar mais refrigerante.

“Quer um copo?” Ofereceu ele. Eu disse que não com a cabeça e pedi um copo com água. Eu estava nervoso demais para sentir aquelas bolinhas do gás do refrigerante estourando no céu da minha boca. Aquilo me fazia lacrimejar tanto. Era horrível. Eu odiava beber refrigerante na frente dos outros. Sempre passava a maior vergonha. Tinha gente que pensava que eu estava chorando. Uma merda.

Mas aí dez minutos se passaram e meu amigo Pedro voltou. Bebi o copo todo em um só gole e quando eu disse que precisava contar uma coisa para ele séria, ele me pediu mais cinco minutos enquanto ia atender a porta.

“Era o porteiro para entregar o jornal” Disse ele cinco minutos depois. Pedi mais outro copo com água, afinal minha boca já estava seca depois de tanta demora. Ele levou um tempo infinito para colocar mais água no meu copo enquanto minhas pernas tremiam ininterruptamente. Ele chegou, sentou e me olhou. Eu engoli em seco e comecei a pedir que por favor ele não brigasse comigo, nem ficasse com remorso. Mas eu tinha feito uma coisa absurda, mas foi tudo com as melhores intenções e sentimentos – eu disse. Ele mandava eu ficar tranqüilo e dizia que nada poderia atrapalhar a nossa amizade. Ele me tinha com um filho. Até fiquei mais aliviado.

Eu estava decidido a contar tudo naquele dia, naquela hora. Na lata, sem rodeios, como homem, como ele sempre tinha feito comigo. Larguei com todas as palavras que eu estava namorando a irmã dele.

Por três segundos acho que vi muitas expressões na minha frente. De raiva, ciúmes, ódio, terror, abismo, compreensão e finalmente ele ficou com a expressão de alegria. Foi uma surpresa incrível. Ele me abraçou, sorriu e disse:

“Ora meu amigo, eu fico bastante enciumado da minha pequena irmã - não vou lhe negar isso. Mas pelo menos ela está nas mãos de um cara que é praticamente meu filho. É muito bom que tenhamos essa relação de cumplicidade. Afinal eu também preciso te contar algo que já escondo a um bom tempo e está na hora de você saber.”

Voltei a me tremer novamente e a boca a secar. Pedi mais outro copo com água. Era emoção demais para mim em um dia só. Eu estava irradiante com a aceitação de Pedro, mas ao mesmo tempo estava ansioso pelo o que ele tinha para me falar. Se Pedro escondia algo para mim é porque era sério. Enxuguei minhas mãos na bermuda e me ajeitei para beber minha água quando ele retornou.

“É algo bastante difícil te contar e bastante embaraçoso.” Achei logo que ele era gay e tava a fim de mim. Sei lá, várias coisas passaram na minha cabeça. O que poderia ser tão embaraçoso em uma relação de tamanha intimidade?

“Mas você tem que aceitar. Eu agora sou seu padrasto.” Eu me embolei de rir e perguntei porque ele tinha mudado seu posto para padrasto. Ele aí respondeu que foi tudo com os melhores sentimentos e as melhores intenções. Mas ele e minha mãe não se agüentavam mais de tanta paixão escondida.

Foi muito confuso para eu entender aquilo tudo. Era muito doido. Eu estava namorando a irmã do meu melhor amigo que estava namorando a minha mãe. Pelo menos estava tudo em família.

E muito confuso e muito doido deve ter sido para todo mundo. Mas isso foi superado e depois disso saímos muitas vezes juntos para fazer programas de casal.

Grande amigo Pedro.

Malluco Beleza
Enviado por Malluco Beleza em 21/09/2007
Código do texto: T661530
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