Recordando a Camponesa

Estava deitado na rede branquinha descansando do almoço, um cosido nos trinques, tomara até umas lapadas de cachaça de cabeça. Gozar a fresca da tarde era um dos pontos do seu ritual. Mas havia uama diferença, agora estava morando na beira da praia, sentindo o cheiro da maresia, e não no alpendre da casa de sua fazenda onde gostava de sentir o cheiro de bosta de curral. Mas quando se envelhece, admitiu, a família começa a mandar na gente e, resultado, estava fora do seu ambiente. vivendo bem, mas um anônimo, um estranho no ninho da silva de pedra, jamais se acostumaria à cidade grande.

Ainda bem que não haviam esquecido seus ratos preferidos, combatidos pelos médicos. Adorava cozido, com cuidado e prazer localizava e tirava o tutano dos ossos e depois de tomar uma lapada tirava o gosto com essa iguaria. Depois de fartar ia descansar na rede branquinha do Ceará, momento que, antes da soneca reparadora,refletia sobre a vida e, claro, recordava dos bons tempos.

Ficava fumando o seu charuto cubano, também condenado pelos médicos, e fazia aqueles arosinhos ou aneizinhos no ar, cada um representava uma lembrança, uma recordação, ma cena dos tempos em que era realmente dono de suas vontades.

Estava ali, portanto, assuntando a maçaranduba do tempo quando fez mais um círculo no ar com a fumaça do puro cubano, este anelzinho lhe pareceu perfeito e mágico porque revelou uma recordação querida e recorrente. O esmo acontecia quando via Sonia Braga no papel da Gabriela na novela famosa que tinha gravada em vídeo. Ele quando via a retirante que tinha virado cozinheira famosa e esposa de Nacib, lembrava de uma camponesa que conhecera ns bons tempos, quando ainda era mascate.

Sempre que recordava desse episódio, ele lembrava um pouco de sua vida. Não dos tempos que fora uma espécie de coronel de baraço e cutelo, mandando e desmandando, dando as cartas e jogando de mão. Na verdade não fora arbitrário e nem atrabiliário, mas bonachão, tirava proveito de tudo sem violência. Com certeza levara o progresso a sua terra. A sua maneira a terra progredira...

Mas focava mesmo era no tempo que fora mascate e fazia a feira de diversos povoados. Um deles era Calumbi, a feira ai acontecia nas quartas-feiras. Na terça já mandava seu ajudante com as mercadorias. No outro dia, bem cedinho, de madrugada ainda, partia para lá montado na sua famosa burra apelidada de "Teimosa". Numa quarta-feira, às seis e meia da manhã, no caminho de Calumbi, resolveu dar uma passadinha na casa de um camponês que morava pertinho. Esse camponês tinha uma esposa muito bonita. Sem usar nenhum enfeite era belíssima. Um pitéu. Ele era vidrado nessa mulher. Há muito resolvera dar o bote em cima dela. E seria nesta oportunidade. Chegou na frente da casa, sabia que o camponês já saíra para a roça, e aí gritou: "Ô de casa!". A camponesa abriu a porta e cumprimentou educadamente o mascate. Disse que o marido já havia saído para a roça, mas que iria chamá-lo, que esperasse um instante só ra só meia légua até a roça. Ele respondeu que não precisava incomodar seu marido, que só desejava descansar um pouco porque se sentira mal no caminho com dores no estômago, um problema antigo. Acamponesa, na sua santa ingenuidade, mandou que ele entrasse e se deitasse na rede da sala. Deitou-se e disse qe estava ansioso ara chegar a Calumbi para tomar um copo de leite e descansar o dia todo, nem faria a feira. A camponesa compadecida, disse que por isso não, ia providenciar um copo de leite da vaca para ele. Agradeceu, disse que de vaca não servia, que nesses casos só tomava leite humano, por isso estava ansioso para chegar a Calumbi, lá na pensão que se hospedava havia uma filha da proprietária que amamentava um filhinho e sempre lhe arrumava um pouquinho do seu leite. A pobre camponesa não teve dúvidas, disse que também amamentava um filhinho e que daria um puco do seu leite, que ele esparasse um pouco, iria lá dentro e logo traria o leite. O mascate então sentou-se na rede e com os olhos brilhando de fascínio e desejo pela camponesa, ela anão usava sutiã, so um vestidinho de chita sem nada or baixo, dava ara vislumbrar seu corpo apetitoso, resolveu dar o bote. Disse de olho rútilo e quase babando de desejo: - "Dona, desculpe o pedido, mas prefiro mamar mesmo é na fonte porque o efeito é imediato. Foi o que me aconselhou um médico da capital".

A camponesa, de repente, virou uma cascavel. Desapareceu a candura, a educação, a timidez, a ingenuidade. Como uma fera encarou o mascate sem medo, altiva e decidida: - "Cabra safado!, vou chamar meu marido para lhe dar uns tapas, seu nojento!". E saiu correndo para a roça. O mascate frustrado e temeroso, pulou da rede e se jogou na sela da burra, esporeou-a e disse aflito: - "Corre, Teimosa!, que quando chegarmos a Calumbi eu te dou dos litros de milho". A burra chegou suada da cabeça às patas e o mascate todo doído, pensando no que teria acontecido se tivesse encontrado o camponês. Deixou de fazer a feira de Calumbi. E em breve desistiu da profissão de mascate.

Ali na rede, na bera da praia, ainda lembrava dessa passagem inesquecível de sua vida. Como admirava a camponesa! Não apenas a sua formosura, mas também a sua honestidade, altivez, caráter... Depois de virar coronel , a patente comprara a peso de ouro, e de se tornar chefe político da Região, ainda assim não esqueceu da camponesa. Sem que ela soubesse conseguiu que o marido dela se tornasse dono do terreno da roça. Não quis mais revê-la, bastava-lhe sua lembrança, mas reconhecia que fora a mulher da sua vida, aquela que realmente amara e desejara de verdade, e que quis possuir de forma arbitrária e como um anmal. Não sabia nem seu nome. Nem indagava. Mas ao ver a novela Gabriela, lembrou-se dela. Sonia Braga vivendo a personagem, era, cagada e cuspida, a sua camponesa. Riu pensando nisso, gargalhou e aí tossiu, jogou fora o charuto. Tinha que deixar essa droga. Mas estava no fim da vida, raspando o cororó da penela do resto da vida, deixar um dos raros prazeres apressava as coisas, era inútil. O que ele queria agora era rever a sua terra, a terra da sua infância, da sua vida, a terra que só deixara por exigência da família. Fora amigo de um escritor de Pesqueira, amizade que se consolidara orque ambos gostavam muito de cantadores de viola. Esse escritor num livro de crônicas escrevera algo que lhe tocou profundamente e ele nunca esqueceu, sabia o trecho decorado: "Na verdade ninguém esquece dos caminhos da infância. O pequeno país que ficou sepultado na bruma. Todo homem guarda no coração a mensagem que lhe entrou pelos olhos, mal-abertos para os mistérios da vida. O importante é reconquistar a paisagem perdida. Encontrar novamente os velhos caminhos. E por eles andar, de alma alegre, vendo desfilar o rosário das emoções ressuscitadas". O escritor certamente não conhecera não conhecera a camponesa, se tivesse conhecido teria feito um poema deslumbrante para ela. Sentiu que o sono chegava, ia tirar a sua habitual soneca e, claro, sonhar com a Gabriela Camponesa. Era tro e queda. Acordaria muito bem disposto.

P.S. Este conto (tipo cronicão) foi baseado num causo contado pelo Major Pessoa da Rocha. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 30/04/2019
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