O Tesouro Encantado

Na região em que moro, no estado do Rio Grande do Sul, existem muitas histórias que passam de geração em geração sobre magníficos tesouros enterrados por estancieiros ricos que durante as revoluções e guerras que assolavam o estado em tempos nem tão antigos, enterravam seus objetos valiosos e moedas de ouro e prata em lugares secretos para não serem saqueados, de preferência em lugares de difícil acesso. Também durante a destruição das Sete Povos das Missões, muitos padres jesuítas e índios, fugiram levando suas riquezas e sendo perseguidos ferozmente por seus inimigos, antes de serem capturados enterravam tudo às pressas, para buscar depois de passado o perigo. Mas cada tesouro enterrado, segundo os relatos falados, tinha seu encantamento especial, para ser desenterrado, desde preces, senhas ou oferendas. Os escravos ou peões que realizavam o enterro muitas vezes eram mortos e enterrados junto para proteger o tesouro ou simplesmente para que ninguém mais soubesse e não fosse roubado.

Acontece que durante as sangrentas batalhas quase todos morriam ou eram levados prisioneiros e quem ficava nem sempre sabia de tais tesouros, ou de sua localização. Então muitos tesouros ficaram escondidos sob este chão, criando assim muitas histórias sobre o assunto no imaginário popular.

E então as histórias correram de boca em boca nas rodas de chimarrão, nos encontros de amigos em longas noites de conversas ao pé do fogo dos galpões. E os olhos brilhavam e a mente e os sonhos de todos era povoada com imagens e possibilidades de acordo com a singularidade de cada pessoa.

Com tantas trocas de histórias e ideias começaram a surgir algumas informações mais precisas sobre a localização dos cabedais. Com isso os mais aventureiros e afoitos procuraram se instrumentalizar para procurar e desenterrar tais riquezas. Primeiro era só enxadas, cavadeiras e pás, depois de muitas buscas frustradas, resolveram inovar e usar detectores de metais para otimizar as buscas, o que permitiu alguns achados substanciais.

Mas também aconteceu de quem não estava procurando nada, encontrar parte de tais tesouros, como um patroleiro que trabalhava para abrir uma nova estrada em um fundo de campo e encontrou algumas enormes moedas de ouro espalhadas pelo caminho.

Pois bem, certas pessoas praticamente se especializaram em procurar tesouros perdidos, que provavelmente tinham um certo padrão de lugar, profundidade, etc.

Uma dessas pessoas que conheci se chamava seu Ermínio, era um homem magro, estatura média e arrastava uma perna, resultado de um acidente ocorrido durante suas andanças. Ele também fazia negócios, vendia e comprava objetos, carros e animais de preferência exóticos, de certa feita comprou um burro lanudo, outra vez um cavalo enorme e com uma pelagem diferente de qualquer um já visto.

Seu Ermínio também devia ter um bom coração, pois sua casa modesta sempre estava de portas abertas para os excluídos e desvalidos, tanto homens, como cães e gatos, encontravam ali um chimarrão, um prato de comida e pouso enquanto precisasse. Isso lhe custou o casamento, pois sua esposa o abandonou por não suportar mais ver tanta gente estranha entrando e saindo de sua casa.

Era comum passar em frente a sua residência e lá estava ele de tardinha, sentado proseando e tomando chimarrão com seus amigos, cercado pelos animais.

Nunca aparentou ter riquezas, vivia modestamente. Mas há um rico repertório de histórias e causos a seu respeito, seus briques, sua coragem e seu conhecimento dos tesouros e encantamentos para desenterra-los, suas viagens, é quase uma figura lendária.

Mas algum tempo atrás correu notícia que tinha encontrado uma `panela´ enorme cheia de moedas de ouro e prata, jóias, pedras preciosas e outros objetos valiosos.

Andava inquieto, ansioso, pois o tal tesouro tinha um encantamento diferente, precisava ser compartilhado com uma pessoa especial, com certas características, precisava segundo ele ser bondoso, honesto, uma boa pessoa e algo mais que não revelava. Certo dia então, lembrou de um, digamos, quase sobrinho com as devidas características e falou sem rodeios que tinha encontrado um grande cabedal e queria repartir um pouco com ele. Para não haver dúvidas, puxou do bolso da bombacha um punhado de moedas antigas reluzentes e apresentou ao rapaz, dizendo que era só uma parte, se ele aceitasse teria mais.

O rapaz ficou impressionado, mas algo em sua mente dizia que devia avaliar melhor a oferta. Falou que iria pensar e logo daria uma resposta e foi para casa contar para a esposa. Ela ficou tão impressionada que pediu para que o marido repetisse a história umas três vezes.

Conversaram muito sobre o assunto, compartilharam o que sabiam sobre os encantamentos, os tesouros, os perigos, as suspeitas de que poderia ter alguma consequência desagradável e decidiram que o rapaz não deveria aceitar tal presente, apesar de ser muito tentador.

Com tal surpreendente negativa seu Ermínio tratou de procurar outra pessoa, e logo conseguiu um interessado que aceitou quase de imediato a proposta. Seu Ermínio sentiu um grande alivio, e pensou que agora poderia desfrutar de sua parte tranquilamente, fazia planos de como iria gastar sua fortuna, estava muito contente, até parecia mais moço.

Passados alguns meses, soube de uma notícia que o deixou abalado, o rapaz que tinha aceitado parte do tesouro morrera em circunstâncias muito misteriosas. Não teve mais sossego, pensava que tinha feito alguma coisa errada, ou faltava fazer algo que ele não atinava o que era. De tanto pensar enfraqueceu e ficou doente, o médico falou que ele não poderia mais morar sozinho, precisava ficar com alguém da família.

Foi morar com a filha em uma grande cidade. Sentia-se prisioneiro no confortável apartamento que ajudou a comprar, tinha saudades de suas aventuras, de seus amigos, agora mais solitários, seus animais. Ficou sem apetite, com febre, teve delírios e falava sobre suas andanças, seus achados, suas aventuras, sobre o sentimento de culpa pela morte do rapaz que compartilhou seu tesouro.

Mas seu Ermínio era um gaúcho valente e melhorou, nas tardes solitárias no amplo apartamento, quando sua filha saia para trabalhar, ligava o rádio para escutar as músicas gaúchas que gostava, tomar seu chimarrão e meditar sobre sua vida de caçador de tesouros e seu último achado. Até televisão andava assistindo, ele que nunca foi dessas frescuras. E um certo dia passou na tv um programa sobre astronomia que falava de planetas de ouro e diamantes. Acendeu em seu Ermínio a antiga chama do velho aventureiro e ele se imaginou caçando tesouros no infinito e ria de si mesmo por tais pensamentos.

Naquela noite dormiu e sonhou que era jovem de novo e cavalgava montado em um belo alazão no horizonte sem fim passando por estrelas brilhantes em busca de tesouros encantados. Na manhã do dia seguinte sua filha o encontrou morto e em seu rosto sereno um sorriso ainda estampado.

Mas o mistério ainda persiste, onde seu Ermínio guardou o restante de seu grande achado, pois em banco algum tinha saldo substancial.

Em seus pertences, algumas moedas antigas, um belíssimo punhal de ouro e prata, incrustado com lindas pedras e alguns papéis com rabiscos indecifráveis, imitando mapas e lugares secretos. Cadê o restante do tesouro encantado?

E se encontrado qual será o encantamento a ser pago para poder resgatar o tesouro encantado?