Paulo falando de Pedro

Pedro Xavier deixou o mundo como veio. Em matéria dentária. Nasceu, cresceu, intensamente viveu, e se foi com suas gengivas imaculadas, lisinhas. Era um fenômeno raro que, embora sempre banguelo, jamais sorriu amarelo.

Sua trajetória na Cia de Tecidos Pitanguiense foi exemplar, chegando a chefe de escritório nos tempos áureos da empresa, e por muitos anos. A alcunha de Pedro Galo por certo não consta de seu currículo, mas era ele o legítimo galináceo emplumado a cantar em seu terreiro. Impecável no vestir, no pentear e no falar, onde sempre ordens cabia-lhe exarar. O narigão adunco e o queixo afilado corroboravam a imagem gálica que Pedro projetava, embora no tratamento, da gerência à peãozada, sua autoridade era revenciada.

Sua paixão por cinema transcendia a determinação no lufa-lufa de todo dia. Era ele o organizador, porteiro e operador do cinema da fábrica, o Cine Cetepense. E a única mágoa que dele guardo foi de não ter-me autorizado a ver a famosa película Molokai, a Ilha Maldita. Eu lhe jurava e implorava que tinha os catorze anos que a censura então determinava. Mas não tive como provar, e minha situação se complicou quando a Cleusinha, que era mais novinha mas - suspeito - mais peitos tinha, e pra trás me deixou...E o Pedro nem ligou...o que minha tristeza mais agravou...

Mas o Pedro era sistemático e essa faceta melhor se exibia quando pelo iniciozinho da tarde, subrepticiamente, ele tomava o ônibus para o Pará de Minas, onde se jurava, ele, além de saborear o pão mais gostoso de lá, ainda pegava uma sessão da tarde, sem alarde. E para prevenir-se de contatos inoportunos, pagava por seu assento e pelo vazio a seu lado. E tudo era cronometrado para voltar ainda ao trabalho antes de ser o expediente encerrado.

Duma feita, contam, e consta, que assim que o ônibus encostou na rodoviária do Pará, que era ainda na aprazível pracinha central da cidade, onde se situava a estação ferroviária também, Pedro percebeu a presença do conterrâneo Chiquito Pastelão dando sopa por lá. Sem ter nada contra o Chiquito, e tampouco, a favor, Pedro não hesitou, e mais cabisbaixo, no ônibus permaneceu, e só na rodoviária de Beagá foi que desceu. Jejuou mas não se aborreceu...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 17/08/2019
Reeditado em 17/08/2019
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