Acerto de Contas

Nunca foi à escola. Foi aprender a ler anos depois de casada. Mas era uma pessoa intuitiva, inteligente, muito perspicaz e radical nas suas convicções mas não perdia nunca o humor e a ternura, mesmo quando era dura e inflexível. Amava os filhos e ainda mais os netos. Mas sempre dizia aos filhos: cocorote em menino não se perde, educa, dê sempre cocorotes em seus filhos, mesmo eles não tendo feito nada, prevenir é melhor que remediar. Não acetava a medicina moderna, só usava seus chas e mezinhas. Nunca acreditou que o home pisou na lua.

Mas o que mais impressionava nela era a sua convicção sobre o acerto de contas depois da morte da pessoa. Segundo ela toda pessoa que morria voltava, renascia, uns, os que sofreram para ser premados com uma vida boa: outros para pagar com sofrimento o que fizeram de ruim.

Certo dia um dos netos, o que era metido a rebelde, estava na casa dele junto com outros netos dela, metendo o cacete nos ricos do lugar, dizendo que eram ladrões, perseguidores, safados e o escambau... Ela ouviu atenta olhando para a rua na janela. Em dado momento ela interrompeu o neto rebelde e chamou-o à janela, ele foi e entao ela apontou para a rua onde, no sol a pino, um aleijado se arrastava em cima de um pedaço de borracha de pneu. Ela disse:

"Menino, tá vendo aquele aleijado se arrastando no calçamento no sol quente? Tá com pena? Tenha não, aquilo é um acerto de contas, aquele sujeito na vida anterior foi muito ruim e voltou para pagar o que deve. Esses que você tá falando aí vão voltar e se arrastar tambem num pedaço de borracha ou sofrer de outra forma. Não precisa essa sua sangria desatada contra eles, eles vão receber noutra vida o que merecem.

Ainda hoje os netos se indagam se ela estava certa ou errada. O rebelde acha que ela pderia estar certa. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 06/09/2019
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