Histórias do sapateiro

Havia um velho sapateiro numa cidade do sertão que era muito reservado e calado, quase não saía da sua oficina (ele chamava-a de tenda) que funcionava na sala de sua casa. Mas, mesmo sendo um tipo meio antissocial, sua tenda era muito frequentada por alguns rapazes do lugar. Isso porque quando esse sapateiro estava de bom humor, incentivado pelos jovens, contava várias histórias, inclusive sobre o cangaço (diziam que ele tinha participado desse movimento, mas ele nunca confirmou isso). Todas essas histórias tinham uma mensagem seria, mesmo que à primeira vista fossem engraçadas. Uma delas os rapazes nunca esqueceram:

"Um rato, olhando pelo buraco da parede, vê o fazendeiro abrindo um pacote. Pensou logo, guloso, que se tratava de comida. Ao descobrir que era uma ratoeira ficou aterrorizado e correu para o pátio advertindo a todos: 'Há ratoeira na casa! Ratoeira na casa!'. A galinha foi logo dizendo: 'Desculpe, senhor rato, eu entendo que isso seja um grande problema para o senhor, mas não me prejudica em nada'. O porco foi na mesma linha: 'Desculpe-me, senhor rato, mas não há nada que eu possa fazer, vou lembrá-lo nas minhas orações'. Restou a vaca que foi logo perguntando ríspida:'Ratoeira? Por que eu estaria em perigo? Acredito que não". O rato,desconsolado voltou sozinho para casa a fim de enfrentar a ratoeira. Naquela noite houve um grande barulho, como o de uma ratoeira pegando uma vítima. A mulher do fazendeiro correu para ver o que tinha acontecido. No escuro não percebeu que a ratoeira avia pego uma cobra venenosa. E a cobra, poke!, picou a mulher. O fazendeiro levou-a imediatamente para o hospital. Quando voltaram a mulher ainda estava com muita febre, e por recomendação médica devia se alimentar apenas de uma canja. Resultado, o fazendeiro pegou o cutelo e foi providenciar o ingrediente principal da canja de galinha. No outro dia, como a mulher era muito conhecida, começaram a chegar varias visitas, e era preciso alimentar essas pessoas. O fazendeiro então matou o porco. A mulher não melhorou, piorou e morreu. Veio muita gente para o velório, gente até de longe, era preciso comida para toda aquela gente. Só restou ao fazendeiro sacrificar a vaca".

Deu uma baforada no cigarro de palha, cuspiu , deu umas batidas na sola e concluiu:"Moral da história: quando armam uma armadilha e falta solidariedade ou só ha solidariedade tipo meia sola, todos podem virar vítimas".

Era um mestre em contar causos com advertências sérias. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 18/09/2019
Código do texto: T6747781
Classificação de conteúdo: seguro