DONA MARLENE

Desde que aprendeu a falar, dona Marlene, agora com mais de quarenta anos, sempre falou pelos cotovelos do diabo.

Quando está só, sem ter com quem falar, ela fala sozinha para não perder o costume.

Muitas vezes eu a ouvi dizer que no fim do dia vai dormir cansada de tanto falar.

Além de falar muito, fala emendando uma frase na outra a fim de não ser interrompida por seus ouvintes.

Com a desculpa de que o seu trabalho era confidencial, o chefe do escritório da firma transportadora em que trabalhava isolou-a numa sala para não atrapalhar o serviço dos outros funcionários.

Um belo dia, as funcionárias da transportadora resolveram usar farda para, além de padronizar o visual, poupar as despesas com roupas femininas que “precisam” ser trocadas com muita frequência, pois não podem de jeito nenhum serem repetidas, independente do estado de conservação em que se encontrem.

Por essa época era comum as lojas varejistas de tecidos oferecerem os serviços de estilista que, além de “criar modelos exclusivos” ainda davam uma forçadinha na venda daqueles tecidos pouco procurados.

Em local reservado, estrategicamente colocados no fundo das lojas, esses profissionais faziam as sugestões num ambiente de distinta intimidade com as clientes, na maioria das vezes, indecisas quanto ao que desejavam e inseguras quanto às suas participações nos eventos.

Coisa bem parecida com aconselhamento psicológico para que cada uma daquelas clientes se sentisse uma princesa de contos de fadas.

Num sábado, juntaram-se as colegas de trabalho e foram para a loja mais badalada da cidade para a escolha do tecido e, em conversa com o estilista, definir cor, modelo e qual melhor tecido que se prestasse para o fim desejado.

O embate começou pela definição do número de peças para a farda.

A maioria definiu o padrão “esporte fino” para a blusa de manga curta com gola redonda e gravatinha no estilo black tie, blazer com manga 3/4, cinto de couro para complemento do cós da saia ou calça comprida para combinar com sapato social.

A partir daí o estilista fez vários desenhos com sugestão de cores, tipo de tecido, acessórios, todos esses badulaques que fazem parte do universo feminino e que nós homens jamais conseguiremos entender...

O magérrimo estilista era uma criatura diáfana com maquiagem discreta, impecavelmente vestido de branco, ágil no manejo dos lápis entre os dedos longos cujas unhas esmaltadas de rosa claro contrastavam com o branco-cera das mãos.

Cabelos negros impecavelmente penteados, realçavam a faixa branca no topete calopsita de onde, estrategicamente, desprendiam-se vagos fios até as sobrancelhas ressaltadas por cuidadoso designer.

Cinco das colegas praticamente não falaram, e quando falavam para responder algum questionamento do estilista era por cima da voz aguda da dona Marlene que ao chegar, puxou uma cadeira e se instalou ao lado do estilista de frente para a mesa de trabalho e não parou de falar por nem um minuto, dando palpite em tudo e principalmente nos detalhes do desenho.

Dona Marlene falou tanto, tanto, tanto, tanto que o estilista, vermelho como pimentão maduro, com os olhos esgazeados, levantou-se da cadeira, jogou para cima todos os desenhos que já havia feito e num misto de choro e fúria, com o rosto quase encostado ao de dona Marlene, gritou com a voz forte contrastante com a sua figura que ele a odiava, que ela fosse tagarelar no inferno, que não faria mais nenhum desenho e, batendo os pés com força, saiu da loja.