Complicando a vida

Claudemir, Manfredo e Afrânio ficaram órfãos ainda nos primeiros anos de vida. Por causa desse trágico acontecimento foram criados por três famílias amigas, mas que não eram seus parentes. Raramente os três irmãos se viam quando criança, só vindo a acontecer alguns encontros quando já estavam na adolescência. Praticamente por volta dos dezoito anos é que Manfredo passou a ter um relacionamento com seus irmãos, mesmo assim não tão constante e também foi nesta época que conheceu alguns de seus parentes de sangue. Assim a vida foi passando, sempre afastado dos irmãos e familiares... Manfredo sempre gostou de não depender dos seus padrinhos e assim que dera baixa do exército precisando dar continuidade a sua vida profissional, não perdeu tempo. Saiu em busca de um trabalho digno da sua capacidade. Sabia que não podia contar com seu irmão mais velho, pois o mesmo já havia deixado bem claro que não o indicaria na empresa em que trabalhava. Alegando que lá não permitiam que irmãos ou até mesmo parentes distantes trabalhassem juntos. Manfredo mesmo assim não se importando com essa informação inscreveu-se para ser vendedor em um dos depósitos de vendas que a tal empresa mantinha em Madureira, um subúrbio do Rio. Já que seu irmão trabalhava no departamento de ações na matriz, entendia que dessa forma não estariam trabalhando juntos.
Foram prestados exames intelectuais e psicológicos. Depois de realizadas as entrevistas e feitos os exames médicos, Manfredo é aprovado e contratado para trabalhar como vendedor. Entretanto não existia vaga naquele depósito e ele foi transferido para a filial da empresa que funcionava no bairro de São Cristóvão. Para sua surpresa também não tinha uma vaga para o cargo de vendedor. Como o nível do seu conhecimento estava acima do exigido para a função, os responsáveis pela seleção não quiseram descartá-lo e devido a isso ele foi aproveitado como assistente do gerente do depósito, que funcionava junto daquela filial.
Lá na matriz seu irmão ficou sabendo e naquele fim de semana foi visitá-lo. Quando chegou nem o cumprimentou, indo direto ao assunto que estava lhe incomodando.
- Manfredo você esqueceu do que lhe falei?
- Bom dia! Não dormimos junto, meu irmão. Esqueceu as boas maneiras?
- Você não está respondendo a minha pergunta.
- Claudemir, eu estou trabalhando na filial em São Cristóvão. Jamais a diretoria ficará sabendo que somos irmãos e se isso acontecer basta dizer que nos conhecemos há pouco tempo.
- Como posso falar isso, Manfredo? Ficou maluco?
- Meu irmão. Está esquecendo que nós dois fomos apresentados ao nosso primo de sangue um dia desses? E que oitenta por cento da nossa família nós ainda não conhecemos?
- Mas isso é outra coisa. Não fomos criados juntos, mas sempre que possível nos encontrávamos.
- Pois o encontro com nosso primo vai passar a ser a nossa história. Se me perguntarem, direi que o conheci outro dia. Faça o mesmo.
Dizendo isso deu por encerrada a discussão. Claudemir saiu soltando fogo pelas ventas e foi embora. Manfredo continuou trabalhando naquela função. Em seis meses deu mostra de ser um profissional capaz e versátil, além de conquistar um espaço social na empresa. Sendo em seguida promovido para a função de caixa da filial de vendas, cargo que exigia extrema confiança da gerência. Não demorou muito e já era o caixa geral daquela filial. Sua capacidade e senso profissional saltavam aos olhos da direção da empresa, tanto que na primeira oportunidade foi transferido para o depósito de Botafogo no cargo de subgerente.
A trajetória de Manfredo dentro da empresa era impossível de ser notada e como tal seu nome sempre era citado nas reuniões da diretoria como exemplo de profissional a ser seguido pelos demais funcionários. Seus superiores nunca perdiam a oportunidade de mostrar que daquela forma a empresa cresceria cada vez mais e todos sairiam lucrando. Todavia seu esforço e dedicação também eram o combustível que alimentava a inveja da maioria dos colegas. Seu irmão continuava não se dando por satisfeito e sempre que se encontravam batia na mesma tecla. Obviamente sua ponderação era rebatida com a mesma resposta.
Como toda grande empresa, ela também estimulava em muito o social entre seus funcionários, com isso quase todas as seções tinham um time de futebol para os mais jovens. Todo ano era realizado um campeonato interno com a participação de todos os times. No segundo mês do ano todos eram reunidos para disputar um torneio relâmpago e comemoravam com um churrasco o início da temporada, depois durante o decorrer do ano, os times se enfrentavam todo fim de semana em busca do título.
No ano seguinte, Manfredo passou a fazer parte do time de futebol do seu departamento. Compareceu ao evento esportivo e também ao churrasco inaugural. Seu irmão Claudemir que também fazia parte do time de futebol da matriz estava presente e a semelhança física entre ambos chamou a atenção dos demais colegas de trabalho o que levou ele outra vez a conversar com Manfredo.
- Está vendo o que você arrumou?
- O que foi que eu arrumei? Até agora não vi nada e nem notei nenhuma reação por parte da diretoria.
- É só uma questão de tempo, logo irão nos chamar para tirar a limpo do porquê de estarmos trabalhando juntos.
- Primeiro não trabalhamos juntos e depois basta você contar à história que combinamos.
- Eu não combinei nada. Recuso-me a mentir, mesmo que você ache ser por uma boa causa.
- Faça como quiser. De minha parte, caso me perguntem eu vou contar da forma que lhe falei.
Os dois continuaram nas semanas seguinte se encontrando durante os jogos. Assim que confirmaram o parentesco entre eles, seus colegas viram a grande oportunidade de tirar o Manfredo do caminho. Daquele dia em diante sua derrocada foi tramada pelos inimigos que não se conformavam com sua ascensão vertiginosa dentro da empresa. Não era mais possível Manfredo continuar trabalhando ali, uma vez que seu irmão fazia parte do quadro de funcionários. Isso feria o estatuto interno e assim deu-se início a campanha do seu desligamento e o primeiro da lista nesta luta era nada mais nada menos que o seu próprio irmão.
- Precisamos fazer alguma coisa. Estou correndo o risco de perder meu emprego.
- O jeito é denunciá-lo. E aguardar os acontecimentos.
- Eu não posso denunciá-lo, façam vocês.
Assim fizeram e Manfredo logo foi chamado na diretoria e perguntado sobre seu parentesco com Claudemir. Não teve nenhuma dúvida e contou à história que dissera ao irmão que iria falar. Há de que se conheceram meses antes, como acontecera realmente com seu primo. Claudemir também foi chamado e não confirmou o que seu irmão dissera, inclusive foi ele o maior responsável por sua demissão. Não tendo alternativa a diretoria se viu obrigada a ceder as pressões que não eram poucas. Mas só oito meses mais tarde, e depois de muita pressão para afastá-lo é que demitiram o Manfredo. Nessa mesma ocasião todas as pessoas envolvidas no episódio Manfredo, foram transferidas para o depósito em que ele trabalhava, o de Botafogo.
Estavam todos felizes, mas o que os inimigos de Manfredo não contavam foi com a desativação deste depósito quatro meses mais tarde, com isso foram demitidos todos os funcionários que ali trabalhavam, inclusive o irmão dele.
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 20/09/2019
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