A prima do interior

Lá estava Fernando saindo do Rio de Janeiro para visitar Odete e sua família em Além Paraíba. Eram uns parentes da sua mãe que ele só conhecia de nome.
Contava nessa ocasião com dezessete anos e estava nessa viagem muito contra vontade.
Imagina ter que visitar uns velhos lá no meio do mato, num final de semana, quando poderia estar desfrutando do futebol, tira gosto e cerveja com a rapaziada durante o dia e a noite. Ou até mesmo participando do "hi-fi", nome dado aos bailes da época, com suas amigas e amigos depois do namoro. Uma condenação era o tal "passeio".
Sabia que a tal de Odete tinha cinco filhos, mas não fazia ideia de como eram. Sendo assim o preconceito falava mais alto.
Para Fernando deviam ser uns matutos do interior, onde o progresso passava pelo lado de fora da cidade. Provavelmente no máximo ouviam falar das coisas da capital pelo rádio e ficavam a imaginar, pois com certeza ainda não havia o poder da televisão por lá.
Com isso, foi se preparando durante o trajeto, que era longo, para dar as informações que certamente gostariam de saber. Perguntas do tipo "é verdade que a água do mar é salgada?", "tem muitos cinemas?", "o Maracanã é grande mesmo?", "vai a muitos bailes de formatura?", etc, etc e etc.
"Nossa, isso vai ser duro de aturar!". Fernando não parava de pensar na situação que iria encarar.
Lembrou ter ouvido falar que os filhos da tal parente eram três rapazes e duas moças.
Agora ele se perguntava: será que regulavam com a sua idade? São bem informados? As meninas serão bonitas ou feias? Como será que se vestem?
Lembrou das festas à caipira. "Ridículo! Não! Não é possível que se vistam daquela forma!"
Apreensivo e cansado da viagem, perguntou ao seu pai se ainda faltava muito para chegar à tal cidade. A resposta de que a viagem deveria durar mais ou menos uma hora o deixou mais agitado.
Achou melhor tirar um cochilo para relaxar, afinal não tinha mais como evitar o encontro. O jeito era se conformar e torcer para tudo ser diferente do que estava imaginando.
O tempo passou. Seu pai o acordou informando que já estavam chegando. Olhou pela janela do ônibus e viu que estavam atravessando uma ponte sobre um rio bem largo e de águas barrentas. Era diferente dos rios que estava acostumado a ver na sua cidade, estreitos e com pouco volume d'água.
Logo descortinou-se uma praça, com a estação ferroviária de um lado e o comércio do outro. Imaginou ser ali o centro da cidade, local onde aconteciam os grandes festejos. Quem sabe os jovens também se reunissem por ali.
Chegaram e desembarcaram as malas. Da rodoviária podia ver o hotel onde se hospedariam, mas logo chegaram os primos de sua mãe, que não os deixaram ir ao hotel. Alegaram que a casa era grande e confortável o suficiente para acomodá-los durante a estada por lá.
No carro que os levava, Fernando continuava preso aos seus pensamentos, agora já não tão preconceituosos. Viu que as pessoas do local não se vestiam como imaginava.
Na frente da casa confirmou ser ela bem espaçosa. Estava localizada na margem do tal rio que vira quando chegou e isso o deixou intranquilo. Prestes a entrar, sua apreensão aumentou, pois até aquele momento não tinha visto os filhos da Odete. Como seriam?
Entraram, se acomodaram e nada de aparecer o restante da família. Na verdade só a mãe da Odete estava lá, uma senhora beirando os setenta anos e responsável, ao que pareceu, pelo bom cheiro do tempero da comida.
Já era hora do almoço naquela sexta feira, e a fome logo fez Fernando esquecer seus problemas existenciais. Enquanto comiam, ficou sabendo que as meninas e um dos meninos almoçaram mais cedo e estavam na escola. Os dois outros estavam trabalhando e todos só estariam de volta às seis horas da tarde. O que fazer até lá? Eis a grande questão a ser resolvida.
Os mais velhos estavam num entusiasmo só, afinal havia anos que não se viam e a conversa comia solta entre eles.
Fernando foi encorajado a dar uma volta pelo bairro para conhecer o local. Não havia perigo. Por ser o lugar pequeno, todos se conheciam. Segundo Odete, a maioria dos moradores já sabiam que eles, seus parentes, chegariam de visita. Andou por todo canto e chegou a ser cumprimentado várias vezes.
Nunca vira tanta tranquilidade. Parece que as pessoas não tinham pressa naquela parte do mundo e a sensação era de que a hora não passava ― na verdade se arrastava.
"Que martírio! Esse final de semana vai ser longo demais para o meu gosto!", resmungava sozinho.
Voltou para a casa e resolveu esperar pelos primos na varanda. Aproveitaria o tempo para continuar com a leitura do seu livro.
Entretido, não se deu conta de que a hora passara, nem de quando as duas moças, suas primas, chegaram da escola. Assustou-se quando as duas ao mesmo tempo numa brincadeira deram-lhe as boas vindas gritando "bem vindo à roça, primo", seguidas de uma bela risada.
Apresentaram-se descontraidamente como os jovens da época e já começaram um bate papo como já se conhecessem a anos.
Fernando quase não conseguia se concentrar na conversa. O julgamento precipitado das meninas foi por água abaixo. Cristina e Elisabete eram duas moças alegres, bem informadas e antenadas com o que estava acontecendo no momento, mesmo estando tão longe da capital. Entretanto, o que mais lhe impressionou foi a beleza da Elisabete, a prima mais nova. Não conseguia disfarçar, estava enamorado. E lhe pareceu que a recíproca era verdadeira.
Os três conversavam animadamente quando foram alertados do adiantar da hora. Precisavam dormir. Fernando notou que a hora voara. Que pena!
Na manhã de Sábado todos estavam em pé logo cedo, o que chamou atenção dos mais velhos, pois normalmente ficavam na cama até as tantas.
Novas conversas, olhares, risos e inevitavelmente o flerte. Elas visitavam os amigos apresentando o primo recém chegado da cidade. Assim o dia inteiro estiveram juntos indo a todos os locais. À noite a conversa já não era mais a três, e sim a dois, com o incentivo da irmã mais velha. Fernando e Elisabete já estavam namorando.
A hora passou mais rápido ainda. Pensaram e reclamaram os dois. Tinham uma madrugada no meio da vida deles para atrapalhar aquela magia que o amor constrói. Logo ele estaria indo embora. Como ficariam?
Quem diria! O rapaz da cidade estava amarrado na moça do interior. Onde foi parar o preconceito? Parece que o amor falou mais alto.
Amanheceu.
Tudo era alegria. Entretanto, à medida que a hora passava os corações dos jovens enamorados se entristeciam. O tempo como sempre correu normal, mas para eles voou.
Chegou a hora da despedida. Mil promessas trocaram, cartas seriam escritas para estreitar mais suas afinidades e no ar havia expectativa de um encontro breve.
Cartas foram trocadas como o prometido.
Após três meses se encontraram novamente. Desta vez a menina do interior veio conhecer a cidade grande. Encantou-se com que viu, e com a proximidade o amor ficou mais fortalecido. Durante uma semana os dois curtiram o romance minuto a minuto sem desperdiçar um segundo, mas a separação era inevitável.
Elisabete voltou para sua pequena cidade e Fernando seguiu sua vida junto aos amigos. No início oito eram as cartas trocadas por mês, e nelas as juras de amor eterno eram o tema central que entremeava as novidades de cada um.
Porém, Fernando e Elisabete não contaram com a distância entre eles e as oportunidades de novos namoros surgirem.
Com o tempo essa cartas foram diminuindo, o amor eterno esfriando e quando se deram conta, tudo passou a ser apenas uma nostálgica e doce recordação.
Fernando Antonio Pereira
Enviado por Fernando Antonio Pereira em 22/09/2019
Reeditado em 22/09/2019
Código do texto: T6751117
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.