Maria Mota

Rolava o ano de 1973, por esse tempo, eu fora transferido para Santa Inês no Maranhão, para trabalhar na execução da BR-316, até o Rio Gurupi na divisa com o Estado do Pará. Eu já conhecia a cidade. Era um lugar agradável, mas que tudo se resumia na Rua do Comércio, que ia da citada rodovia à Praça da Matriz.

Todos os finais de semana, eu retornava para Teresina, onde tinha residência fixa e no domingo à noite, pegava ônibus de volta. Todo esse chamego acontecia porque os amigos, quase todas de outros municípios, faziam o mesmo e eu não gostava de ficar só na casa que nos fora cedida pelo Exército. Tudo, porém, tem a primeira vez.

Num determinado fim de mês, já cansado de tantas viagens, eu resolvi ficar na cidade, ainda que sozinho. Recomendaram-me, para refeições noturnas, a casa da Maria Mota, que tinha um restaurante modesto, mas de comida boa. Não ficava longe e era uma pessoa muito conhecida na cidade. Para melhor identificação, havia uma lâmpada vermelha acesa à entrada, disseram-me.

A casa da lâmpada vermelha era, noutras épocas, local de encontros ditos amorosos. Todavia, no Maranhão, isso tinha outro significado, representando que ali se vendia mocotó ou panelada, comida típica da região.

Era uma casa de arquitetura domiciliar simples, entrada com duas portas comuns e não tinha mais que cinco ou seis mesas, logo depois da Praça da Matriz, sentido Pindaré Mirim. Tudo isso, eu só vim a ver dias depois, porque eu entrara no restaurante tão desligado do mundo, que não vi os acontecimentos periféricos. Lembro-me de que estava lendo uma história de terror num livro de bolso.

Tomei assento, pedi uma panelada e uma cerveja para ir cozinhando o tempo enquanto a comida não chegasse. Eu era o único cliente e já passava da meia noite, de repente, entrou um vento frio e forte. Frio não, gelado. Uma coisa totalmente absurda, pois Santa Inês é uma cidade de clima quente. Senti arrepios no corpo e levantei a vista para rua, porque alguns sons de portas batendo se fizeram ouvir. Meu susto não foi desse mundo! Juro como as portas que se abriam e fechavam, eram de pelo menos três caixões de defuntos, pretos com florões dourados, encostados às paredes e que não estavam lá quando adentrei. Fiquei apavorado e não era pra menos..

Minha principal solução sem plano B era sair correndo entre as coroas de flores e sumir no mundo, contudo cadê pernas? Eu estava pregado à cadeira, sem ação. Hoje, entendo que um campo magnético produzido pelo conto que eu lia e aquele ambiente fantasmagórico, pode ter produzido uma sinérgica força que me deixara imóvel. Neste momento, a energia elétrica sofrendo uma queda de tensão, motivado sei lá por quais mistérios, piscava, e eu morria! Minha sorte foi que o garçom alertado pelo barulho, viera correndo e amarrara as portas dos ataúdes, já trazendo uma vela acesa, colocando-a sobre minha mesa, precavendo-se caso ocorresse uma pane geral e para meu maior desespero. Graças aos céus a energia se estabilizou, mas fiquei sobremaneira intrigado com cheiro de flores de cemitério e como tudo poderia ter se modificado em questão de segundos.

A comida chegou e consegui jantar sem sentir paladar algum, salvo pela cerveja e por outros clientes que entraram em seguida. Tudo me era estranho, tanto que comecei a imaginar o garçom com aspectos de coveiro e já temia que ele não tendo troco, quisesse me empurrar um pacote de velas por conta. Foi com imenso alívio que deixei aquele ambiente.

Na segunda-feira, contei o acontecido aos amigos, que se mataram de rir e foi ai que vim a entender os porquês do mistério: Maria Mota, a dona do restaurante, também exercia o ofício de carpinteiro, que se diga, incomum entre as mulheres, pelo menos eu não conheço outro caso. Tinha nos fundos do restaurante uma carpintaria e possuía alvará para fabricação e comercialização de caixões de madeira. Até então, não existiam esses caixões polidos e até personalizados de hoje. Eram caixões artesanais, de aspectos toscos, revestidos por fora com tecidos. Assim sendo, os esquifes já estavam lá quando cheguei, por lerdeza não os vi. A um só tempo, ali funcionava um restaurante e agência funerária. Caso alguém tivesse uma intoxicação alimentar, já poderia sair embalado para presente.

São coisas que só acontecem comigo.

Um Piauiense Armengador de Versos
Enviado por Um Piauiense Armengador de Versos em 03/01/2020
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