PENSÃO DA GLÓRIA

A Pensão da Glória ficava na rua do mesmo nome que é a continuação da Rua da Matriz, por trás do mercado público. Local de fácil acesso, perto de tudo, razão pela qual nunca faltaram clientes, apesar da sovinice do proprietário.

Seu Antenor, logo depois do jantar, apagava todas as lâmpadas da pensão, deixando apenas uma, bem fraca que mais parecia uma brasa presa na ponta do fio, na sala de refeições aonde o pessoal ia beber água.

Se alguém deixasse a luz do quarto acesa depois das oito da noite, era motivo de reclamação.

A sovinice dele, quase folclórica, era conhecida por todos pois nas rodas de conversas que ele participava não havia outro assunto que não fosse o custo de vida, a dificuldade para o abastecimento da cozinha da pensão por conta da variação de preços no mercado ou nas feiras livres, mesmo quando essas já estavam na hora da xepa, porque com ele não pegava essa história de preço de banana madura em fim de feira.

Durante a vida toda sempre foi um deus-nos-acuda conseguir dinheiro para pagar as contas da água e luz que, infalivelmente, todos os meses vinham com algum acréscimo e mais essa roubalheira de tarifa alterada por causa das bandeiras amarelas ou vermelhas.

Francisco Nogueira, sobrinho de dona Clotilde do brechó - Usado Novo de Novo - veio de Maceió, porque precisava de local sossegado para estudar e, principalmente, ficar longe dos colegas de farra, para enfrentar o vestibular da Faculdade de Direito.

Presepeiro e irresponsável como todo jovem deve ser, quando soube das histórias do velho sovina disse para a tia que queria ficar hospedado lá para dar-lhe uma lição.

Fazendo-se passar por vendedor viajante, hospedou-se no quarto que ficava exatamente no meio do corredor da casa antiga, dessas que tem a sala da frente com janelas e porta abrindo diretamente para a calçada, corredor ligando a sala da frente (de visitas) com a sala de jantar, e entre elas três quartos com paredes que terminam pouco acima das portas altas com aquele rendado de ferro bem trabalhado, sem janelas, mas com telha de vidro para deixar entrar a luz do sol.

Nessa época já existiam no mercado as lâmpadas de emergência, dessas que ficam ligadas na tomada e que quando falta a energia vinda da rua, a lâmpada acende para clarear o ambiente. Dependendo do fabricante, as baterias dessas lâmpadas podem durar até quatro horas.

Francisco arranjou seis dessas lâmpadas com trinta pontos de led cada uma, deixou ligadas até que as baterias estivessem completamente carregadas, desligou-as, colocou na bolsa e na boquinha da noite foi para a pensão.

Pagou antecipadamente a semana, jantou e trancou-se no quarto.

Como de costume, as oito da noite, Seu Antenor apagou todas as luzes e Francisco ligou a primeira lâmpada.

Não demorou muito, o velho mão-de-vaca bateu na porta e mandou que Francisco apagasse a luz.

Só mais um pouco, foi a resposta que recebeu.

E haja o tempo passando, seu Antenor louco da vida, reclamou por diversas vezes, por fim desligou a chave geral, mas as lâmpadas permaneceram acesas uma após a outra até quase o amanhecer.

Na manhã seguinte, antes mesmo do café, seu Antenor, com a fisionomia cansada por causa da noite insone, disse: eu não quero mais que o senhor fique hospedado na minha pensão, não.

Tome aqui seu trouco, são dois dias, o de ontem que o senhor entrou e o de hoje que o senhor saiu e descontei também a luz que passou a noite toda acesa...

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