Acasos

ERA MADRUGADA; E O RELÓGIO NÃO DESPERTOU! Acordei com um pouso forçado de uma barata nas minhas costas. Levantei assustado e, pela janela, vi uma estrela cadente. Arrumei-me rapidamente e sai às pressas, sem tomar café.

A bicicleta estava presa às grades e eu me esqueci de pegar as chaves. Voltei ligeiro e percebi que a porta havia ficado aberta. Dirigi-me ao quarto e peguei as chaves que estavam sobre a cômoda. Na pressa, acabei puxando o forro e o frasco de desodorante caiu ao chão. Recolhi-o e sai, deixando para trás o meu boné corporativo.

Ao tentar destrancar a bicicleta, constatei que aquelas chaves não eram do cadeado. A chave correta estava introduzida no orifício dele. Abri-o, porém, os dois pneus se encontravam vazios. Recorri, então, à bike da minha irmã. Na primeira descida, vi que ela estava sem freios. Voltei e a deixei no lugar em que estava. Foi quando ouvi o barulho da porta da sala, que bateu com o vento. As galinhas ficaram inquietas no galinheiro e o vira lata começou a latir insistentemente.

Corri até a pracinha, a pé mesmo, e tropecei no degrau do coreto. Desequilibrei-me e escorei na pilastra, que estava impregnada de graxa. Limpei a mão na barra da calça, mas não era graxa. O mau cheiro denunciava o que, de fato, era. Fui lavar a mão na fonte, só que não tinha água. A torneira do jardim estava com o registro quebrado. Abri a braguilha para urinar na mão, mas fui surpreendido por um farol de motocicleta e desviei o jato. Não era uma moto, mas sim um carro com um dos faróis queimado.

Resolvi voltar para casa, mas começou a chover torrencialmente. Abriguei-me sob uma árvore, cujo galho quebrou-se. Ventava forte e um resíduo qualquer foi arremessado contra os meus olhos, causando intenso ardor. Esfreguei os olhos e, mesmo impossibilitado de ver com clareza, iniciei o retorno para casa. Voltei a tropeçar e cai numa poça d'água barrenta. Levantei-me e comecei a caminhar com dificuldades e acabei perdendo o sapato do meu pé esquerdo, que se desprendeu e foi levado pela enxurrada. De imediato, pisei em um pedaço de arame farpado e senti muita dor.

Com muito custo, cheguei ao portão da minha casa. Não consegui abri-lo. Era o portão da casa do vizinho, não o meu. Segui para casa e, por fim, adentrei o quintal e cheguei à varanda em que estavam as bicicletas. Cansado, sentei-me um pouco no alpendre e acabei batendo com força a cabeça no chapisco do barrado da parede. Ali, quietinho, senti um cheirinho de café fresco e, ao fundo, ouvi uma música no rádio do vizinho.

Após a música, o locutor, assim anunciou: "FERIADO COM CHUVA FORTE EM TODA A (...)". Surpreso, nem quis ouvir o complemento da fala dele. Eu não tinha de sair para trabalhar hoje! Foi aí que entendi: ERA MADRUGADA; E O RELÓGIO NÃO DESPERTOU!