ZÉ DO CORREIO

Antigamente, quando não havia a internet, os e-mails e as redes sociais a comunicação entre as pessoas, dependendo da urgência era feita por telefone, telegrama ou carta e tanto os envelopes quanto os selos eram colados com goma arábica, aquele caldo grosso, amarelo e fedorento que grudava tudo, principalmente, as bordas do pote e as mesinhas que haviam em todas as agências.

A vantagem da goma arábica era que bastava um pouco d’água para dissolver e assim liberar os selos dos envelopes para os álbuns dos colecionadores, assíduos frequentadores dos clubes de filatelia.

Mas isso foi na época em que se exigia dos jovens conhecimentos gerais além das tabelas de campeonatos de futebol, tatuagens, rabiscos de pichação, letras de funk e abreviaturas de zati-zapi.

Zé do Correio tinha sido telegrafista na estação do trem e quando ela foi desativada devido ao baixo movimento e desfeito o desvio do tronco da rede ferroviária ele arranjou licença, para abrir no velho prédio, uma agência de correio.

Recebia todo tipo de correspondência, encomendas, jornais para assinantes, catálogos de compra e venda por reembolso postal e enviava telegramas e cartas.

Durante toda a vida, por ser telegrafista, ele foi sempre o primeiro a saber das novidades, mas agora elas vinham trancadas em envelopes que apesar de poderem ser manuseados até que os destinatários viessem busca-las na agência as novidades dos fatos familiares, confidências e os segredos impublicáveis estavam longe do seu alcance.

Os envelopes aéreos, por serem de papel bem mais fino que os comerciais, em sendo manobrados contra a luz, permitiam ler alguma coisa, mas isso não era bastante para satisfazer a curiosidade crescente e a imaginação de quem tem bem poucos afazeres diários.

Durante esses exames dois detalhes chamaram a atenção de Zé do Correio. O padre recebia regularmente cartas sem remetente e com perfume de rosas e a solteirona dona da casa mais bonita da rua principal, recebia cartas também sem remetentes, mas com caligrafia notadamente masculina.

A curiosidade é a mãe das alternativas e foi assim que ele descobriu que o vapor que saia do bico da chaleira era um ótimo solvente para a goma arábica e que, se manobrada com cuidado não manchava a tinta dos sobrescritos dos envelopes.

Agora ele poderia abrir os envelopes, ler as correspondências e depois fechar sem deixar vestígios do crime de violação do sigilo previsto na constituição.

A partir desta data ele ficava sabendo em primeira mão todos os acontecimentos de toda a população, mas como não existe crime perfeito, um dia, conversando com Luiz Despachante ele deixou escapar que já sabia que o Detran tinha negado o recurso para a transferência do despachante para a capital.

Luiz Despachante, apesar das negativas do agente infrator, resolveu dar uma lição de maneira que todos ficassem sabendo da violação das correspondências e o criminoso desmoralizado.

Escreveu para si, umas cartas como sendo outra pessoa, dizendo que estava tendo um caso amoroso com a mulher de Zé do Correio e, semanalmente, quando vinha para o Detran na capital, colocava uma delas no correio e todo dia perguntava se já tinha chegado carta para ele, que estava esperando carta de um amigo e que ele precisava “acompanhar certas notícias muito boas”.

Em cada carta o “desconhecido” fazia comentários cada vez mais picantes sobre os encontros.

Zé do Correio passou a vigiar a mulher, mas como não passava de invencionice, nada conseguia descobrir.

Numa das cartas, o “amigo” citou o fato de que precisava ser mais cuidadoso porque o “corno manso” estava desconfiado e seguindo a mulher para todo lado que ela ia.

Até que um dia, não mais suportando a traição, Zé do Correio, com a carta aberta em punho acusou a mulher de estar tendo um caso amoroso com um amigo de Luiz Despachante.

O escândalo foi grande demais. Juntou gente na porta da casa para ver ele arrastar a mulher pelos cabelos até a loja do despachante a fim de que ele comprovasse a traição.

E foi assim, com o esclarecimento do caso, que todo mundo ficou sabendo que Zé do Correio abria as correspondências de todos e, ao ser processado, teve que fechar a agência.