*O Papagaio

Quando vim de cuia tralhas amarrar meu jegue em Aracaju, trouxe do Maranhão um papagaio, só que o bicho criou asas e um dia demonstrando sua ingratidão, voou de volta sem deixar sombras, ficando assim, uma lacuna na família.

Alguns anos depois, fui fazer um levantamento topográfico no município de Jandaira-Ba. divisa com Sergipe. Até que uma vez, ao passar para o trabalho, por sorte ou croira, vi um garoto alimentando um filhote de papagaio. No retorno tentei fazer negócio com ele.

- Ei, menino! Quer vender o papagaio? Perguntei.

- Você está vendo placa de “vende-se”, pregada nas costas de meu papagaio? Respondeu-me gentilmente o moleque.

- Calma, meu rapaz! Vamos negociar, será bom para nós dois. Dinheiro na mão não faz mal a ninguém. Por quanto você vende o pelebreu?

O garoto pensou e chutou de primeira um preço que daria para comprar a família inteira do bicho:

- Só vendo meu papagaio por R$ 30,00 reais.

- O quê ele come? Perguntei.

- Cuscuz com leite...

- Venha cá, a mãe desse bicho criava vaca leiteira e tinha roça de milho? Pra ele comer isso certamente que a mãe dele só poderia ser fazendeira.

- Pois agora não lhe vendo meu papagaio por dinheiro algum.

Encerrada bruscamente a negociação, retirei-me arrependido e consciente de que havia falado demais. Ainda assim, não me dei por vencido e antes do final da semana, por meio de um intermediário, consegui comprar o papagaio, sem que o menino desconfiasse que fosse pra mim. Todavia essa era apenas uma das etapas da encrenca. Transportar o bicho para Aracaju era outra chateação por causa da fiscalização do IBAMA, que só me dei conta depois.

Consegui uma caixa de papelão reforçado e no dia da viagem o coloquei dentro, embrulhei com um papel de presentes, ainda amarrei uma fita vermelha com cartão e tudo, para ludibriar a fiscalização. Senti na pele o quanto é difícil ser cem por cento honesto nesse país de sabidos.

Quando adentrei ao ônibus, senti que o meu Anjo da Guarda, estava de férias. Minha poltrona estava com o reclinador enguiçado, de forma que a impressão que eu passava, era de ter engolido uma alavanca e querer chegar ao destino primeiro que todos. Do lado da janela, a companheira de viagem era uma senhora daquelas que só tem dois dentes na boca e fica mastigando as gengivas o tempo todo. O pescoço mais parecia um ventilador descontrolado. Não sabia se olhava pra mim, para a caixa ou para fora pela janela. Ó mulher chata por arte do improviso. Aparentava ter uns trezentos anos de vida e perguntava mais que delegado de policia. Talvez, aquela fosse sua primeira viagem de ônibus, pois tinha uma imensa dificuldade em ficar assentada como gente, preferia ir acocorada sobre a poltrona, segurando a poltrona da frente com as duas mãos. Era um espetáculo à parte. Imagine a cena! Gente, eu não mereço isso!

O ônibus era desses do tipo pinga-pinga, que para mais que jumento de mascate. Nisso entra o cobrador que já foi ditando regras. Que era proibido transportar jandaia, jabuti, jiboia, jaçanã, juriti, jacaré. Então fiquei tranquilo, pelo jeito, se o bicho não começasse com J, era permitido.

Dentro da caixa eu tinha colocado panos limpos e entradas de ar camufladas, por sorte o bicho era calado, não dava um piu.

Foi o tempo em que o cobrador retornou do fundo do transporte com mais admoestações:

- Se a PRF pegar alguém transportando papagaio, a multa será dobrada. Pra quê falou isso! O papagaio fez na hora:

- Creeeu, creeeu... !

Nisso o cobrador que já havia passado por mim, olhou para trás e eu também fingindo que não o via, fiz:

- Creeu, creeu... foi minha maneira de despistar a encrenca

A velha que além de chata era inconveniente, emendou com voz de quem estava entalada com paçoca:

- Isso dentro da caixa é um papagaio, não é?

Eu estava com a respiração presa, mas a primeira vontade que me deu foi de matar a velha! A segunda foi responder que era um jegue, se não disse foi por medo que ela chamasse o cobrador e dissesse que eu tinha um jumento na caixa. Todas as vezes em que o pneu caia num buraco da estrada, o papagaio dava sinal de vida e os passageiros vendo minha preocupação, se matavam de rir.

De súbito, para o ônibus no acostamento e sobem todos os fiscais do Estado de Sergipe de uma vez só. Nessas horas sempre aparece um engraçadinho de plantão pra dizer:

- Papagaio da peste, se tu fizeres “creeu”, eu te comerei vivo!

Os risos foram automáticos e só pararam no exato momento em que um dos policiais ficou de frente comigo, olhou-me nos olhos e disse:

- Presente pra namorada, Moza?

- Olá Ariel! Como vai você? Como estão Alejandra e os meninos? Pois é cara, vou tentar limpar meu nome.

O policial sorriu, deu meia volta despedindo-se e saíra, mas com tempo de ainda ser interpelado pela velha:

- Num é proibido levar papagaio não, é? Se fosse eu ainda ia era presa!

Minha sorte foi que meu Anjo da Guarda tinha o nome de Ariel e mesmo de férias, mandou um homônimo em seu lugar.

São coisa que só acontecem comigo.