Bug universal

Vivian não estava em seu melhor estado de espírito naquele dia. Tentara ocultar uma falha grave que cometera antes que o supervisor a notasse, sem grande sucesso, e olhou ao redor para ver se alguma das colegas da central de processamento de dados a poderia socorrer.

- Eleonor, me ajude nisso - pediu para a operadora que se sentava de costas para ela. A interpelada girou a cadeira de rodízios para encará-la.

- O que foi, Vivian?

- Um dos sujeitos da minha simulação adquiriu consciência da realidade em que vive... cometi um erro - sussurrou.

- Mas que diacho - sussurrou a colega de volta, arrastando-se na cadeira para ficar ao lado dela. - Já rodou o módulo de lavagem cerebral?

- Tarde demais, ele comunicou o ocorrido a vários outros indivíduos antes que eu percebesse o que estava acontecendo. O supervisor vai me matar - declarou Vivian, mortificada.

- O supervisor, e depois o cliente, com certeza - assentiu Eleonor. - A vergonha vai ser geral.

E perante o olhar de desespero da colega, tomou o lugar dela à frente do terminal de computador e começou a digitar comandos numa velocidade frenética.

- Temos um ângulo abrupto na curva de conhecimento - analisou com os olhos fixos no monitor. - A informação já está mais disseminada do que poderíamos conter pelos métodos tradicionais... isso está bem complicado de resolver.

Vivian torcia as mãos, cada vez mais apreensiva. Sentia já a corda metafórica ao redor do pescoço.

- Mas acho que tenho como salvar a sua pele - declarou finalmente Eleonor, mão no queixo. - Só que você vai ficar me devendo uma garrafa de espumante Flûte En Rose.

- Compro até uma caixa se me livrar dessa - prometeu Vivian, mãos postas.

- Uma garrafa basta - minimizou Eleonor, erguendo-se da cadeira.

Vivian a acompanhou com os olhos, enquanto ela seguia rumo a pequena copa da central. Instantes depois, saiu de lá com um pedaço de papel toalha na mão e desapareceu na sala refrigerada que abrigava os racks dos servidores. Quando Vivian começou a se perguntar o que ela havia ido fazer lá, o monitor do terminal exibiu uma série de caracteres aleatórios, antes de apagar-se.

Eleonor retornou, como se nada houvesse acontecido, e inclinou-se sobre o terminal de Vivian.

- Acho que houve um bug no seu servidor. Pode chamar o supervisor agora, provavelmente terão que baixar o backup de ontem para corrigir...

E abaixando o tom da voz:

- O backup de ontem está OK, espero?

- Sim, sim - confirmou Vivian aliviada. - O que você fez?

- Um bug, já disse. Uma barata entrou no seu servidor, deve ter queimado algumas peças.

E, em voz alta, enquanto voltava à sua cadeira:

- Deveriam dedetizar esse escritório. Todo dia mato uma barata aqui.

- [14-06-2020]