MUIÉ SEM DOMA

Meu pai era um hômi rico, ervatêro da região,

mais num largava dinhêro, guardava embaxo do corchão.

Pra arguma “dor di barriga”, i caso di precisão.

O lema era economizá, num tinha fartura, naum.

Mais a tuia era cheia dos produto da lavôra,

Arroiz, fejão, farinha, fubá, polvilho

I o açucre di cana qui num podia fartá,

Nem o melado i a banha, os quejo i os salame

Qui fazia nas carniada i pindurava num arrami,

Lá debaxo do porão pra módi podê secá

I cume cum a polenta qui a mãe fazia pro jantá.

Di noiti nóis drumia cedo, pruque num tinha a luiz,

Só a luiz da lua ô lampião a querosene.

Dispois di iscuta num radinho a pía, as notiça da voz do Brasiu,

Nóis tudo ia pra cama, durmi no corchão di paia,

Si acubri cum cuberta di pena di pato o di lã di oveia,

Qui avermeiava as oreia, mais num dexava passa frio.

É assim que a vida era i a genti trabaiava

Pra ajuda os pai na lida, queimava erva i socava,

Dispois di ela muída, pesava i insacavava,

Pra manda pra otras cidade da região,

I mante a tradição di toma o bão chimarrão.

Um dia, chego di longe um fazendeiro abastado.

Di mim fico inamorado, quiria marca noivado

Pra inté o fim do ano, agosto tava acabando,

Era munto poco tempo, pra pensá im casamento.

Mais quem disse qui podia, as muié podê pensa?

Tinha é qui aceitá o qui os pai determinava,

Num discutia, casava, nem qui fossi pra sofrê,

I ainda tê qui iscondê, i chorá as iscundida,

Nem contá pras mió amiga, as muié si atrevia,

Pruque elas ainda dizia “Tu arranjô um marido,

Divia tá agradicida di num ficá pra titia.”

Mais eu teimei cum meu pai i o moço recusei.

“Fico loca? Ele falô. Eu, meu pé num arredei.

Inté apanhei, i mi tranquei no meu quarto,

Chorei di arde us zóio, num quiria mais comê.

A minha mãe só chorava, inquanto meu pai gritava

Num adianta tu teimá, tu vai tê qui obedecê.”A

Minha irmã munto invejosa, si fazendo di boazinha,

Disse qui ia fal co pai i sumiu lá pra cuzinha. ´

I o véio convenceu di uma permuta fazê,

Ela casava co moçu já qui eu num ia querê.

I tratáro o casamento logo pro mêis de setembro,

O moço foi convencido de qui era bem mió

Tê uma muié bem mansa do que tê uma potranca,

Mal domada i coicêra, quiria memo uma boa paridêra,

Uma ô otra num importava, assim memo ele casava.

I si forum pra bem longe, tiverum uma penca di fio,

I duas veiz a cada ano eles vem nóis visita.

I eu aqui, dispois di anos, tô ainda isperando,

O meu “principe incantadu”, um hômi pra eu gostá.

Já refuguei otros dois qui aparecêro dispois,

Mais si num fô por amô, num vô nunca mi casá.

Causo publicado no livro O causo é bão? Aí, vareia, né? (2016)

Cleusa Piovesan

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Cleusa Piovesan
Enviado por Cleusa Piovesan em 10/08/2020
Código do texto: T7031905
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