Um certo Dentinho

Diz que Dentinho nem não morava sempre no arraial não. Era na fazenda de Bento Salles que morava até que ganhou enrabicho por Narinha de Seu Cutelo e largou de tudo só pra correr atrás da mulata. Como gente boa fala e gente ruim também, fica difícil de dizer quem boata e quem verdada, mesmo conhecendo dentinho sim senhor. Mas circula que Dentinho não gostava muito de trabalho e Bento Salles mantinha ele por conta de uns servicinhos sujos que fazia pro gaúcho de vez em quando. Coisa boba, sem muita responsabilidade que o tal não era pra tanto assim e nem profissional de fato. As vez uma surra num empregado mais desabusado ou uma companha pra uma moça mais resistente de chegar sozinha até a porta do quarto do velho Bento. Se preciso parece que Dentinho sangrava de leve, sem muito fundo, mas não tinha nunca ordem de matar não senhor.

Mas águas passada não move moinho e Narinha nem num sabia de nada disso e viu graça no Dentinho desde um forró que viu ele e ele piscou o olho vesgo pra ela animado. Sorte que no dia Seu Cutelo ia meio alto e olhava forte na bunda reboladeira de Joaninha de Patulé que dançava fogosa com quem pedia, senão tinha dado até morte aquela piscada. Deu que Dentinho piscou e Narinha que nem não conhecia ainda homem nem viu que ele era feio e corria de água que nem o Diabo de cruz. Pegou amor e não teve jeito até que ela se encontrou surdinamente mais ele por perto do rio e os dois fizeram umas safadezas que ela gostou muito e sempre queria mais daí em diante todo dia.

Afundado no amor também, o Dentinho deu até de trabalhar e largou da vida mansa na fazenda pra modo de pelejar no açude com promessa dos trocados que o governo mandava todo mês já que não podia mandar chuva não senhor. Só que a vida cansava e apagava o fogo dele e Narinha não entendia e ia buscar fogo onde tinha. Caindo chifrudo, o dentinho resolveu de matar Narinha mais quem galhava ele. E matou mesmo, dando sumiço do corpo coisa e tal, causando espanto no arraial e escândalo nas pessoas, porque ninguém nem não esperava que Narinha era sapatão e o pobre quando matou, matou mais mesmo de susto, quando viu Narinha gemendo nos braços de Aninha de finado Setembrino do boteco. É, seu moço, o povo arrepiou, não sabe. Aninha vendeu o boteco e tudo e sumiu-se antes do delegado prender Dentinho escondido debaixo da cama da mãe e do padre, o sacristão e o coveiro enterrar a Narinha mais a fama.

Quando foi o julgamento do Dentinho o juiz que era mesmo Bento Salles dormiu o tempo quase todo e o júri era Patulé, Canarinho, Bostinha, Nega Fortunata de Seu Jairo, Chiquinha Zoiúda, Afonso mecânico e a Professorinha Naná. Um advogado da capital, que andava na cidade como se pisava em merda, falou bonito coisa e tal, dizendo que Narinha era mesmo vagabunda e que o pobre do Dentinho teve a vida desgraçada pela mulher e o júri pelos quatro votos dos homem contra os três das mulher absolveu Dentinho que ganhou mundo e nunca mais ninguém viu nem ouviu dele falar.

v santana
Enviado por v santana em 21/10/2007
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