DOIS CANALHAS

DOIS CANALHAS

Aquela tarde fria de julho convidava a todos à uma “soneca” após o almoço, mas Castália, uma linda mulher de seus 55 anos, preferiu ler um livro sentada na varanda de sua lindíssima e enorme casa, situada em um bairro nobre de São Paulo.

O livro estava realmente aberto em suas mãos, mas seus pensamentos, estavam bem longe, não do lugar, mas do tempo.

Relembrava da época em que ainda menina, vivia com seus pais e 8 irmãos em uma casa modesta, construída dentro de uma fazenda de café no interior do Paraná. Seus familiares se ocupavam na “lida” muitos nas plantações, seus irmãos, após o horário escolar ajudavam armazenar ou embalar o que na época era chamado de “riqueza brasileira”.

O proprietário das terras era Raphaelli um Italiano com aproximadamente 70 anos, e viúvo, mas tinha ainda o desejo de ver seu único filho Romano Casado e com filhos, e ele já estava com 40 anos.

Na época, as moças, normalmente, se casavam com pouca idade, assim Romano, seu filho, nem mesmo namorar conseguia, não havia mulheres solteiras com idade próxima a sua na região.

Mas Raphaelli, não desistiu e em conversa com Reinaldo o pai de Castália, propõe que, caso ele consentisse, seu filho se casaria com ela e de comunhão de bens.

Reinaldo sabia que essa união, no futuro, poderia ajudar toda família, sua filha seria a dona de tudo por ali, mas relutou afinal, Castália apenas tinha 16 anos.

Mesmo assim, não poderia se furtar a consultar e saber a opinião da menina, e o fez, e para surpresa de todos ela aceitou a proposta.

Amor, não havia de ambas as partes, porem por 34 anos foram felizes juntos e tiveram 4 filhos, dois homens e duas mulheres.

O devaneio de Castália naquele momento eram as lembranças de todo esse tempo e porque naquela semana completaria 5 anos do falecimento de Romano.

Quando este faleceu, Castália já não contava mais com os serviços de seus irmãos, seus pais bem idosos, o cafezal infestado por brocas. Era então o momento de se mudar, e o fizeram, com a enorme fortuna deixada pelo marido Castália comprou a casa onde morava, arrendou a fazenda e vivia de aplicações financeiras.

Naquela tarde, Castália estava só em sua residência, seus filhos mesmo sem terem se casado, viviam com suas namoradas e as filhas com seus namorados em apartamentos distantes dela. Sua vida era bastante controlada pelos filhos homens, ao ponto de em todas as contas bancárias dela, havia a exigência de ser conjunta com um deles. Castália nunca ligou para esse detalhe pois a verba destinada aos gastos domésticos lhe permitia qualquer tipo de abuso, sempre sobrava e muito desse dinheiro.

Solitária e carente, com a certeza de que nenhum dos filhos iriam lhe visitar, ela resolve fazer um passeio em um shopping da cidade.

Por prudência, já que não queria ser vista saindo de casa sozinha, pinta seus cabelos com uma tinta lavável. Como usava óculos, coloca suas lentes de contato com cor dos olhos diferente dos seus, amarra seus cabelos que sempre usou soltos, dessa forma ninguém a reconheceria, contudo, para não sair em seu automóvel usa o sistema de UBER, chamando o mesmo para um local um quarteirão longe de sua casa.

Quando este chega, ela nota que o motorista é um belo rapaz, articulado e muito educado. Ao chegar ao shopping, esta pergunta se ele poderia ficar esperando sua volta, pretendia fazer algumas compras, e dessa forma também teria um ganho na volta. Castália concordou.

Na volta, o rapaz entrega a ela um cartão onde consta seus endereços de contato para na próxima saída possa atende-la novamente.

Ainda sozinha, pois ela havia dado folga a toda sua criadagem, se vê em muitos momentos recordando as conversas que manteve com o motorista, lembra de sua gentileza em carregar seus pacotes e até em abrir a porta do veículo para ela sair dele.

No dia seguinte, ela lembra que uma de suas novas amigas estava internada em um hospital enferma e vê nisso outro motivo para chamar Cleber, este era o nome do rapaz.

Novamente usa todos os recursos do dia anterior, impedindo inclusive que seus empregados a vissem saindo completamente diferente do normal.

Castália, encantada com o rapaz, lembrava uma adolescente em seu primeiro encontro amoroso.

No final de semana, ela agoniada para voltar a ver o rapaz o chama como de costume e ao entrar no carro Cleber lhe pergunta _Onde iremos hoje? E ela com um sorriso no rosto diz _ onde você quiser me levar.

Cleber sorri, entende o recado e se dirige a um motel bem distante dali. Ao chegar nele, o silencio dela confirmava, era aqui mesmo que eu queria vir.

Ao se entregar completamente à Cleber, Castália começa intimamente a comparar seu falecido marido com ele. Sua jovialidade, seu comportamento com ela e seu vigor físico infinitamente diferente, ela em seus braços se sentiu uma mulher realizada em todos os seus desejos. Depois de algumas outras saídas e os encontros cada vez mais ardentes, ela reconhece: ESTOU APAIXONADA.

Dois meses de completa loucura, e Castália vendo como trabalhador era seu amante, resolve ajuda-lo de alguma forma e pergunta como poderia ser isso.

Cleber responde que o carro que ele usava para trabalho era alugado, e que gostaria poder ter o seu próprio e ganhar mais.

E é aí que Castália se lembra que suas contas bancárias são conjuntas, dessa forma não teria como sacar uma quantia grande sem chamar atenção dos filhos.

Indaga ao rapaz se ele teria como vender suas joias, estas seus filhos não perguntariam nunca por elas, e com uma resposta positiva, arma uma trama diabólica.

Combina que ele faria uma ligação de um orelhão, ela ao atender estaria gravando toda conversa que seria dessa forma.

¬-¬Senhora, sequestrei sua filha FULANA, quero duzentos mil reais em dinheiro ou vou judiar muito dela.

Castália em tom de desespero dirá: Moço, não faça mal a ela, dinheiro não tenho, posso lhe dar minhas joias.

E aí se segue o plano. Então enfie todas elas, eu disse todas elas em um saco de super mercado, diante de sua casa há uma lixeira, jogue o saco lá, não olhe para traz, e se você me denunciar a polícia vou me vingar, sei todos os seus passos.

Aquela lixeira era o melhor lugar para jogar as joias, havia uma câmera gravando tudo, assim, seus filhos teriam a confirmação do golpe. Quando a família pode olhar as imagens apenas viu, alguém totalmente irreconhecível pelo disfarce fugindo em uma velha bicicleta.

Dessa forma, para evitar uma vingança do bandido pela delação, decidem todos que o assunto acabava ali.

Mas, Cleber de posse de suas joias, realmente some, não atende mais os telefones, Castália por fim reconhece. Ela mesmo armou um plano que jamais poderia revelar, ela era a autora do golpe.

Por dias e noites pensou em um plano de vingança.

Este seria bem difícil, afinal, ela era a autora do plano.

Contrata, sem ninguém saber, um detetive particular. Sua missão seria descobrir o caminho feito com a velha bicicleta.

Para sua surpresa, o trajeto dela, terminava poucos quarteirões dali, quando foi colocada na carroceria de uma caminhonete sem placas.

Conclui que essa pista não a levaria a descoberta de nada.

Passados 15 dias, Castália liga para a empresa em que Cleber trabalhava perguntando sobre ele, nesse momento descobre que dias antes havia solicitado dispensa do trabalho e não havia mais retornado.

Em seus pensamentos tudo se confirmava ela fora vítima de um golpe.

30 dias depois, vai e realmente a passeio, com uma de suas filhas ao mesmo shopping que havia ido no dia em que conheceu Cleber, e ali bem a sua frente lá estava o motorista. Como não havia pintado os cabelos e usava óculos não se preocupou em ser vista por ele que, acompanhava outra mulher com idade próxima a sua.

Conseguiu ver seu carro e a nova empresa em que ele trabalhava e pensou, agora é só armar a minha vingança.

Sem usar nenhum dos velhos disfarces, e por dias seguidos chamou um carro naquela empresa nova em que Cleber trabalhava. Mas não conseguiu ser ele o motorista chamado para a corrida,

Finalmente, depois de varia tentativas, ali estava Cleber, com seu sorriso, sua gentileza e bem falante.

Para seguir seus planos, muda os locais que já havia frequentado anteriormente com ele, mas Cleber sempre gentil a acompanha por horas em um passeio a pé no Parque Ibirapuera. Em meio a conversa, Castália pergunta como era a vida de um motorista de aplicativo, e ele responde _muito difícil, principalmente quando o veículo é apenas alugado, e ela lhe pergunta porque ele não comprava hum e obtém como resposta.

Meses atrás por pouco consegui realizar meus planos. Já tinha arrumado o dinheiro com alguém muito especial, no mesmo dia, recebi uma ligação de minha cidade, fui informado que minha mãe, estava muito doente, e solicitavam a minha presença. Com a doença dela gastei todo o meu dinheiro, felizmente ela se curou. Tentei localizar a minha benfeitora, não consegui. Sigo assim da mesma forma que antes.

Castália, ao voltar para sua residência, esta confusa. Cleber não havia sumido, mas sim viajado as pressas ´para cuidar de sua mãe. Ela porem não queria concluir nada precipitadamente assim, volta a chamar pelo motorista do aplicativo, agora solicitando seus serviços diretamente pois, ele havia deixado com ela seus fones, Castália nem notou que todos eles eram diferentes dos anteriores.

Seus filhos seguiam na mesma rotina, raramente a visitavam, e bem poucos eram os telefonemas destes para saber dela.

Assim, volta sair com mais frequência com Cleber, em uma delas, ela ouve a mesma pergunta que já ouvira anteriormente. _ Onde iremos hoje? E ela sem pestanejar afirma _ onde você quiser.

Claro que Cleber imediatamente a leva para um motel.

Depois de horas de um louco ardente e frenético romance, ela se oferece a ajudar o rapaz.

Sua ideia seria a de comprar um carro para ele, contudo seu dinheiro está no banco em conta conjunta, suas joias perdidas, só lhe resta comprar o carro financiado e em seu nome.

Quando retiram o veículo, novas comemorações no motel. Ela ao chegar em casa conclui que esta perdidamente apaixonada por Cleber.

No passeio seguinte, Castália deixa sem querer um de seus celulares dentro do carro do rapaz, como este possuía um rastreador, ela toma um taxi e segue as indicações deste.

Finalmente ela para, lá estava Cleber entrando no quintal de uma casa, onde ela via a velha bicicleta, a caminhonete usada para carrega-la, o carro que ele

usava anteriormente. De dentro da casa sai uma jovem, carregando um bebe no colo e mais 3 outras crianças com idades até 5 anos.

Ela volta para sua casa desolada. Tudo desde o inicio havia sido uma farsa, ela tentando enganar seus filhos e Cleber a enganando várias vezes.

Deitada, refletindo sobre tudo o que havia acontecido e principalmente os momentos maravilhosos que havia passado nos braços dele decide

Somos dois canalhas, agora vou assumir, serei a outra.

TITO CANCIAN

italianodeoderzo@hotmail.com