Burocracia

Peçanha foi ao cartório da cidade e passou uma procuração para seu irmão representá-lo, em sua cidade natal, na venda de uma parte que lhe cabia na herança de um sitio que era do seu pai. Quando seu irmão foi fechar o negócio com o comprador, no cartório, o tabelião lhe disse que, verificando a situação de cada um dos herdeiros, descobriu que havia uma pendência em seu nome na Receita federal. Portanto, a continuação do negócio só seria possível depois que Peçanha resolvesse a situação.

Ele não acreditou quando seu irmão telefonou lhe informando do problema. No dia seguinte, dirigiu-se a uma agência, certo de que devia haver algum engano, pois sempre pagou seus impostos em dia. A pri-meira pessoa com quem falou foi um rapaz na recepção. Depois de fazer uma pesquisa no computador, ele lhe disse que não havia nada em seu nome. Por via das dúvidas, deveria procurar uma das atendentes da repartição, para melhores esclarecimentos e, imediatamente, o enviou a funcionaria mais próxima.

Depois de expor seu caso a ela, a moça consultou seus arquivos e encontrou uma dívida de noventa e nove centavos em seu nome, re-sultantes de uma diferença de cálculo encontrada no imposto da sua penúltima declaração, cuja parcela única ele havia pago na ocasião da entrega. Ficou indignado, porque além da pendência ser uma mixaria, já completara dois anos e nenhuma aviso lhe foi enviado. A partir daí começou sua maratona pela agência. Pois, a moça o informou que a solução do problema não estava com ela e sim com outra pessoa, e o mandou a um senhor que iria cancelar a dívida pelo fato de ela ser menor que dez reais. Esperançoso de ter seu caso, rapidamente, resolvido, dirigiu-se ao funcionário indicado. Este, imediatamente, o mandou para uma funcionária.

Depois de ser mandado de um lado para outro, várias vezes, acabou, finalmente, encontrando a pessoa que resolveria seu problema. Aproximou-se e falou com ela. A mulher girou noventa graus na sua cadeira, encostou-se ao computador e digitou o seu CPF. Depois, olhou por alguns minutos o resultado da pesquisa e o informou que realmente havia uma dívida de noventa e nove centavos, mas que ele teria que pagar dez reais, já emitindo o boleto. Indagou porque dez reais, se sua dívida era de apenas noventa e nove centavos, e que a moça da outra sala o mandou ali para cancelar a dívida. Ela disse que não podia cancelar, pois não era permitido cancelamentos de dividas. E como o fisco não cobrava valores inferiores a dez reais, ele teria que pagar dez reais. Peçanha retrucou dizendo que se não cobravam valores menores que dez reais, porque estavam lhe cobrando uma dívida de noventa e nove centavos, e que para isso precisaria pagar dez reais? Ela não lhe respondeu. Ficou calada por um instante. Depois, lhe entregou o boleto, dizendo que para pagar os noventa e nove centavos ele teria que pagar os dez reais.

Sem mais conversa, pegou o boleto e foi até o banco, onde pagou por dez reais, a sua dívida de noventa e nove centavos.