*Cachimbo de Barro

Cachimbo de barro

Ouvi esta quando ainda era adolescente em Teresina.

Houve um tempo em que não existiam supermercados. Todas as compras miúdas do dia a dia eram realizadas em pequenos comércios varejistas, conhecidos como bodegas, tabernas, quitandas ou vendas. Só quando essas tinham uma grande variedade de produtos, é que recebiam o nome de ‘mercearias’. Mas essas eram raras.

Dava até gosto frequentar uma mercearia, pois lá tinha de tudo. Se não fosse a grande quantidade de fregueses para um tão pouco número de atendentes, seria uma maravilha. Como eu morava na Zona Norte, a maior mercearia era a do Augusto Ferro, que funcionava na confluência das ruas Amazonas com Gabriel Ferreira e, de lambuja, ainda tinha a fábrica de Picolés Amazonas, o melhor da cidade. Hoje, no local, funciona uma confeitaria, mas nem sei se ainda pertence à família.

No Bairro Primavera, mais propriamente duas quadras atrás do Clube Marques de Paranaguá, funcionava o Stand de Tiro do 25° Batalhão de Caçadores do Exército Brasileiro. Era uma grande área de terra aberta, em terreno de cascalho vermelho, ao pé do Morro do Urubu, que os mais românticos apelidaram de Morro da Esperança. Nada disso existe hoje, até mesmo o morro sumiu, em função da construção da Ponte Estaiada, “Mestre Isidoro França”.

Em época de chuvas, formavam-se nessa região grandes barreiros de águas pluviais que que eram usadas pelas senhoras da localidade para lavar roupas e onde a meninada aproveitava para tomar banho, fazendo uma grande folia. Pois bem, foi aí onde tudo se originou.

Contava-se que um senhor teve uma ideia das Arábias. Chamou alguns garotos, deu-lhes uns trocados e lhes mandou que saíssem a perguntar nas quitandas da região se tinha algum cachimbo de barro para vender.

Claro que ele sabia que não tinha, pois nesse meio tempo, ele havia encontrado um desses barreiros com argila de boa liga e começou a fabricar cachimbo de barro com a piteira de canutilhos de tabocas. Trabalho artesanal e de muita engenhosidade, diga-se de passagem. Depois de prontos, colocava-os para secar ao sol, sempre que o inverno lhe permitia.

Enquanto isso, os meninos continuavam fazendo a busca em todas as bodegas e mercearias:

– Moço, minha avó mandou perguntar se aqui tem cachimbo de barro...!

– Tem não, menino, mas irei procurar. Na próxima semana tem!

Na maioria das vezes, os meninos nem avó tinham, mas essa era a recomendação que o fabricante imprimia aos seus funcionários de ocasião. A procura se intensificava na mesma proporção que a produção aumentava.

Até que um dia, o fabricante chamou os meninos, deu-lhes mais alguns trocados e mandou que parassem com a pesquisa. Em seguida, de posse de um jegue e dois jacás carregados de cachimbos de barro, saiu vendendo em todas as bodegas da região. Vendeu toda a produção numa manhã, retornando satisfeitíssimo. Daí em diante, o processo dos comerciantes se inverteu. Todos colocaram avisos nas portas de suas quitandas: TEMOS CACHIMBOS DE BARRO.

Quando passava um menino na frente da venda, o dono avisava:

– Menino, avisa a tua avó que já temos cachimbo de barro!

– Pra que diacho minha avó vai querer um cachimbo de barro, moço?

– Mas menino dos diabos, num eras tu que vinhas todos os dias procurar cachimbo na minha quitanda?

– Eu mesmo não, o senhor “tá” é doido, eu nem vó tenho!

Se a propaganda é a alma do negócio, a pesquisa é a garantia do sucesso.

São coisas de minha terra...