A trinca e o 'psiu'

Certa feita, passando por um atalho, pisei em falso e cai para frente, ficando estirado no chão, sobre um juncado de ervas rasteiras, até recobrar a consciência. Ainda sem entender bem o ocorrido, ouvi um som como se fosse um 'psiu', que parecia vir do outro lado da trinca de uma parede de um muro em ruínas.

Com grande esforço, movi-me até me sentar ali naquela relva, na tentativa de identificar a origem do som que despertara a minha atenção. Arrastei-me até as ruínas e fui tomado de grande espanto, assim que consegui visualizar o que estava além daquela pequena frestra no paredão. Confesso que quis correr, mas não o fiz devido as minhas frágeis condições físicas pós queda. Fiquei apavorado, porém não tinha forças, sequer, para gritar por socorro. Foi terrível! Senti-me impotente ante tais circunstâncias.

O que vi do outro lado foi aterrorizante. A sensação era de estar diante de um abismo inexplorado, um precipício prestes a me sugar para si. Era início de noite e a escassez de luz me impossibilitava observar claramente as condições daquele local. Mas, e som de 'psiu', de onde veio realmente?! Quem o emitiu?! Seria mesmo direcionado a mim?! E, se for, qual seria o motivo?! O que está além da trinca?!

Sozinho naquela trilha e bastante atordoado, eu ainda me encontrava em meio a esses e outros tantos questionamentos, quando voltei a ouvir nitidamente o 'psiu''. Voltei o olhar, imediatamente, para a trinca e avistei duas pequenas luzes, dispostas horizontalmente, como se fossem olhos a me observarem. Trêmulo de medo, tentei gritar, porém não consegui fazê-lo.

Deitei-me e, irrefletidamente, rolei lateralmente por aquela viela. A cada giro do meu corpo, as dores se intensificavam em mim, em razão do inevitável contato com pedregulhos e restos de construção que foram descartados naquela área, como se ali fosse um lixão. Dentre os descartes, haviam tijolos, cacos de reboco e de telhas, ferramentas velhas, além de metais diversos como: pregos, parafusos, arames recozidos, barras de ferro, etc., e, numa dessas, dominado completamente por meus medos e temores, fui ferido na boca por um metal pontiagudo, o qual penetrou na minha gengiva superior, bem próximo à raiz de um dos meus dentes.

A partir dessa perfuração gengival, entreguei-me às circunstâncias. A dor nem foi tão incômoda naquele momento, entretanto, não mais esbocei quaisquer tipos de ações e/ou reações diante dos fatos experienciados. Por fim, recobrei completamente a consciência e me vi em uma cadeira odontológica, sendo tratado por um profissional dentista, após ter sido encontrado por populares, caído e desacordado em um beco.

Tudo não passou de intensos delírios. Todo aquele suplício (aflições, angústias, tormentos, desespero e demais sensações adversas) foi fruto de um trauma em que algo que teve origem no exterior, num acontecimento externo, repercutiu consideravelmente em nível interno. Eu compreendi, então, que A TRINCA era do dente lesionado em decorrência da minha queda, em que 'pisei em falso e cai para frente'. O 'psiu', provavelmente, surgiu a partir da Caneta De Alta Rotação do Dentista, em que o funcionamento da turbina se dá por ar comprimido e é irrigada com água abundante, o que possibilita que a broca perfure ou corte o esmalte do dente. O som do 'psiu' poderá ter surgido a partir de cada interrompimento do fluxo de água na ferramenta utilizada no consultório.

Ah, recebi alta e tudo vai muito bem. Obrigado!