O Comprador de Votos

O Comprador de Votos

Nem me recordo o ano em que aconteceram as eleições municipais aqui tratadas. O certo foi que em Teresina, eu e dois amigos, nos dirigíamos ao centro da cidade a pé, ao chegarmos à Praça Pedro II, exatamente na confluência da Rua Paissandu com David Caldas, outro amigo nos mostrou um candidato que, na maior cara de pau, estava comprando abertamente o voto dos eleitores. Sabíamos que isso existia, mas na moita, nunca de forma declarada, escancaradamente. Só lhe faltaram mesmo um megafone, uma banca e a placa: “compra-se votos”.

Ao chagarmos ao candidato, eu me afastei um pouco procurando uma sombra melhor, evitando aquele sol africano na minha cuca. Eu não estava interessado naquele comércio clandestino. A transação era feita individualmente, sem empurra-empurra, venta com venta, “zoi no zoi”. Minutos após, ao nos reunirmos fiquei sabendo do desenrolar das negociações e pelo visto fora animadíssima, pois todos estavam contentes.

Na verdade, quando questionado por quanto o cara estava pagando por um voto, o candidato disse-lhes que não era propriamente uma venda e sim uma troca de compromissos. Pedido para que se explicasse melhor, o candidato foi reto ao ponto:

-Vou lhes propor um desafio, se vocês toparem, estarão comprometidos a votar em mim. Deixo claro que isso é um acordo de cavalheiros e que ninguém poderá espalhar esse fato, para que não nos imputem responsabilidades e ônus.

Os dois concordaram e o candidato disse-lhes em seguida, dirigindo-se diretamente a um dos amigos:

- Se eu morder meu olho esquerdo, você votará em mim?

Ora, aquilo lhes parecera um despropósito. Certamente nunca ninguém em parte alguma do mundo ouvira tal absurdo. Ainda assim, meu amigo olhou bem fundo nos olhos do candidato e não notando diferença alguma, confirmou que votaria sim. Estava apalavrado. Em seguida, o candidato com muito jeito, metendo os dedos na cavidade ocular, retirou o olho de vidro, mordendo-o suavemente, recolocando-o posteriormente no local. Os dois amigos riram, mas ficou a sensação de que havia uma trapaça naquilo, porém o que veio em seguida foi mais assustador ainda.

- E agora? Se eu morder o olho direito você vota em mim? Perguntou dirigindo-se ao segundo amigo.

Bem, seria inteiramente impossível que o candidato tivesse os dois olhos de vidro e andasse sem guia e sem bengala pelas ruas da cidade com tamanha desenvoltura. Nem que tivesse olhos biônicos. Além disso, esse meu amigo também era do tipo escolado, conhecia os truques de camelô, ele mesmo já vendera perfumes adulterados na feira, passando a essência no cotovelo do cliente para que esse cheirasse. Claro que isso era uma artimanha, já que ninguém consegue aproximar o cotovelo do nariz. Tanto que topou no ato o desafio.

- Tai, se você fizer isso eu voto em você sim. Confirmou o segundo amigo, tal a convicção da improbabilidade do ato.

O candidato com a mesmo destreza de antes, retirou da boca as duas próteses dentárias, posicionando uma sobre a outra e cuidadosamente mordera o olho direito, para em seguida recolocar as próteses no local de antes.

-Pronto, disse o candidato, muito obrigado, foi uma satisfação tratar com meus eleitores. Entregando-lhes um “santinho” com nome e número, deixando-os com cara de vaca comendo sabugo de milho do monturo.

Estou vendendo o peixe pelo mesmo preço que comprei. Não tenho nada com isso. De certeza posso afirmar que o candidato não fora eleito e ainda ficara com os olhos mastigados. Disso eu tirei pelo menos uma grande lição: Se cada candidato tirasse apenas uma pequena percentagem de suas ideias mirabolantes em benefício de seu município, certamente seríamos modelo de desenvolvimento para o mundo.

Cantaram-me e conto sem aumentar um ponto.

São coisas de minha terra.

PS.: Então vai negar que você também tentou cheirar o cotovelo agora