O Recruta Surdo

Aristóteles Valente foi convocado para prestar o serviço militar. Não queria ir. Além de não ter vocação, tinha horror ao exército. O desgosto de ficar longe de casa também era enorme. Angustiado, foi visitar um amigo que acabara de dar baixa e pediu-lhe uma dica para se livrar da obrigação. O rapaz entendeu seu problema, mas o que lhe disse não lhe agradou:

- Só as pessoas que tem problema físico grave são dispensadas. Você pelo visto não tem nenhum e por isso, não se livrará do serviço militar, facilmente.

Uma semana depois, embarcou, levando na cabeça um plano que se desse certo, seria dispensado logo. E feliz da vida voltaria para casa bem antes do que imaginava. Não sendo portador de deficiência física, ele inventou uma. Seu plano se não fosse perfeito, estava bem perto da perfeição.

Quando chegou ao quartel, apresentou-se totalmente surdo. Surdo como uma porta. Quando alguém falava com ele, não respondia. A não ser que gritasse. Tinha que ser muito alto e com gestos. Se lhe mandassem fazer alguma coisa, fazia outra completamente diferente. Quando o instrutor o mandou apanhar o fuzil, pegou o cantil. Nos treinamentos, se a ordem fosse virar para a direita ele virava-se para a esquerda. No dia seguinte, apareceu no quartel com a cabeça raspada, dizendo que foi ordem do sargento instrutor. Este, perdeu a paciência e o levou ao comandante.

Ao se apresentar ao comandante, fez uma displicente continência que o desagradou profundamente. O comandante o mandou se sentar. Aristóteles continuou de pé e não fez nenhum sinal de que ouvira a ordem. O comandante repetiu quase gritando, com raiva. Só assim, ele o obedeceu. E sem lhe dar mais tempo para falar, despejou-lhe uma cachoeira de imprecações e ameaças. Quando pôde dizer algumas palavras, ele pediu ao comandante para falar mais alto, porque era surdo. O comandante olhou-o com estranheza e, imediatamente, o encaminhou ao médico do quartel, recomendando um exame detalhado do seu ouvido.

No consultório, o doutor lhe impôs uma bateria de exames. Mas, todo o sacrifício do médico para encontrar algum sinal de surdez nele foi inútil. Seu ouvido era sadio e o doutor não entendia a causa da sua surdez. Talvez, fosse um caso raro na medicina.

Não conseguindo diagnosticar a enfermidade do soldado, o médico sugeriu ao comandante a sua dispensa, argumentando que mantê-lo no quartel, surdo daquele jeito, era improdutivo. Mais um inútil na tropa, um verdadeiro come e dorme, como se costumavam dizer daqueles que nada faziam. Imediatamente o comandante mandou chamá-lo.

- Pois seu Aristóteles o médico me disse que o senhor é surdo.

- Sim, ele respondeu.

Espiou pela janela. Voltou os olhos para ele e disse:

- Pois seu Aristóteles o senhor está dispensado de servir a pátria. Seu certificado de dispensa fica pronto dentro de dois meses. Pode ir embora pra casa.

Aristóteles caminhou para a porta, cheio de contentamento. Respirou fundo e olhando na direção da saída, imaginou que em poucas horas estaria longe daquele lugar. Em breve, estaria em casa.

Naquele mesmo dia, com o coração pulando de alegria saiu do alojamento em silêncio, levando a mala. Com um suspiro longo se despediu do quartel. Só não sabia que sua viagem seria curta, apenas duzentos metros.

Ao se aproximar da saída, encontrou-se o médico. Trocaram palavras de despedida e um aperto de mão. O médico, porém, deu meia volta e o acompanhou. Ele já havia ultrapassado o portão de saída, quando ouviu o médico que caminhava a seu lado, perguntar baixinho:

- Seu Aristóteles o senhor não escuta mesmo nada, não é?

- Nada doutor, nada, ele respondeu.