*A Propaganda é a Alma do Negócio.

A Propaganda é a Alma do Negócio.

Conta-se, que na difícil época em que só havia poucas estradas, toda carroçáveis, e sem linhas de ônibus regulares, o que obrigava os moradores a andar em caminhões “pau de arara” ou, quase sempre, em lombo de animais, existia, numa cidadezinha distante, perdida nos cafundós do Piauí, um grande armazém de vendas varejista. Na verdade, ele vendia a grosso e a retalhos, secos e molhados, grandes e miúdos.

Ouvi essa narrativa, quando eu deveria ter, no máximo, uns dez anos e nem de longe me passava pela cabeça a ideia de ser escritor um dia. Tanto que não fiz questionamento algum e nem me recordo se foi citada a região onde tudo aconteceu.

A única certeza que eu tenho era que, neste estabelecimento tinha de tudo para vender. De bainha de foice, agulha de duas pontas, pregos de duas cabeças, papa-fogo, corrimboque, candeeiro petromax, até produtos farmacêuticos e óculos com armação de cabaça, havia de sobra para todos os gostos e bolsos. E até mesmo aqueles artigos que, muitas das vezes, eram difíceis ou impossíveis de encontrar até na capital, como por exemplo, botinas de couro de bode com o calcanhar pra frente, calça pra Saci, olho de vidro, prótese dentária para pronta entrega, perna para Capitão Gancho, ferro para alinhar chifres de touro, lá com certeza, se encontraria.

A fama desse comerciante se alongara por todas as cercanias e os próprio fregueses também se encarregavam de espalhar de, boca em boca, o quão sortido era aquele armazém. Por isso, não eram poucos os que viajavam até dez léguas para comprar seus produtos.

Por esses tempos, não havia pensões nem hospedarias. Os viajantes pediam arrancharias em casas dos moradores da região ou de parentes e amigos. Era tempos de absoluta confiança no próximo, ainda que desconhecido. Eu mesmo gozei desse benefício pelo menos uma vez na vida, quando um caminhão, no qual eu viajava com meu tio Antônio, deu “um prego” durante uma viagem pra Motões, Maranhão.

Pois bem, conta-se que, um dia, chegou neste arremedo de cidade um “propagandista”, ou seja, um homem versado em reclames publicitários. Não conhecíamos ainda os termos publicitários de hoje, como ‘marqueteiros’ ou ‘marketing’, que só vieram surgir mais de seis décadas depois.

O propagandista, então, procurou o dono do comércio, para oferecer seus trabalhos no ramo da divulgação dos seus produtos, garantindo-lhe que o retorno em lucros seria imediato e garantido. Só que o proprietário do comércio, muito seguro de si, disse-lhe que não precisava de divulgação alguma, porque ele já era conhecido até “nas zoropa”. E por mais que o propagandista alardeasse a eficácia de seus serviços, o comerciante sempre se esquiva dele.

De repente, tocou o sino da igreja. Era um domingo, por volta das 9 horas da manhã, quando o comercio estava superlotado de gente. Foi ai que o propagandista encontrou o “gancho” da conversa, e perguntou:

- Quem é o padre daqui? Ele é jovem? O padre é de onde?

- Ah! É Padre Chico, inclusive é meu filho. Estudou em Roma. Quando saiu do seminário, veio direto pra cá. Já está nessa igreja a mais de trinta e cinco anos.

- Aqui só tem missa aos domingos?

- Oxente! Aqui tem missa todos os dias.

- Por que ele toca o sino da igreja?

- Moço, ele toca o sino, para avisar que tem missa; se não tocar, não aparece ninguém.

- Mas é isso que não estou entendendo. - disse o propagandista - Se tem missa todos os dias e o povo sabe os horários, ele nem precisaria tocar o sino.

- Sim, vai pensando nisso! O senhor não sabe o que é lutar com gente não, moço! Tem que badalar sim. O povo tem cabeça dura!

Aquilo era exatamente o que o propagandista estava querendo ouvir. Sem perder tempo, disparou:

- Então o senhor agora sabe qual o peso da propaganda. Essa igreja já está ai há pelo menos uns setenta anos. O padre nasceu na cidade e já reza missa há trinta e cinco anos. Todos os moradores o conhecem, sabem os horários das celebrações e, ainda assim, o senhor mesmo disse que ele tem que tocar o sino, para avisar aos fiéis. Pois bem, o sino é o meio de anunciar seu produto, é o instrumento que leva mais longe possível o seu anúncio. O povo, por sua vez, ouve e acredita. A propaganda, quando é feita por quem é especialista, adquire um valor maior de credibilidade, por isso é que vim lhe ajudar a tocar o sino do seu comércio. Temos folhetos escritos em bom papel e impressão com tipos alemães da melhor qualidade. Posso apostar como os seus lucros duplicarão em pouco tempo. Creia que a propaganda é a alma do negócio. O senhor mesmo dependura seus artigos nas portas, pelo lado de fora, para que seus fregueses vejam e entrem ou falem para seus vizinhos. A galinha, quando acaba de por o ovo no ninho, sai em desabalada carreira, anunciando o seu produto. Todos nós somos assim, precisamos nos comunicar, ainda que, aparentemente, nem tenhamos necessidade...

O comerciante matutou, matutou e acabou por aceitar a oferta e a propaganda foi, assim, realizada.

São coisas de minha terra.