TRAIRAGEM
                 Com a sutileza de um elefante em loja de porcelana, o chefe entrou na sala gritando, esbaforido, cuspindo marimbondos, acusando a todos de traição, de conduta desleal. Alguém tinha enviado uma carta anônima para a diretoria questionando seus métodos e sua falta de tato no trato com seus subordinado, e insinuando que ele falava dos diretores pelas costas. Isto tinha lhe custado uma suspensão de dez dias e uma reprimenda verbal que jogou seu orgulho na lama. Girava o dedo em riste pelo ambiente tentando apontar para cada rosto sem exceção enquanto expulsava palavras da boca entre os dentes semi-cerrados “Eu vou descobrir quem foi, ah vou, ou não me chamo Cornélio Arantes. E quando descobrir, o culpado se arrependerá de ter nascido, vai ser demitido e vai mofar no quinto dos infernos” Os presentes se entreolharam estarrecidos, nunca tinham visto Cornélio daquele jeito, nem quando descobriu que a mulher lhe fizera jus ao nome com um compadre seu. Ninguém disse nada, nem um pio até que a fera saiu pela porta ainda soltando fumaça pelas ventas. Assim que o viram descer as escadas, explodiram numa sonora gargalhada que chamou a atenção de outros departamentos e logo tinha uma pequena multidão rindo às soltas de Cornélio, muitos dizendo “bem feito, fofoqueiro”, e outros “provou do próprio veneno”. Cornélio entrara para a companhia há mais de vinte anos, teve uma ascensão profissional lenta, menos por méritos e mais por ser um refinado puxa-saco. Entrava um diretor novo e lá estava ele com um bolo, uma ambrosia que Nilda sua mulher tinha feito para dar boas vindas. Era um “mão de veludo”. Foi ao longo do tempo ganhando fama de delator entre os colegas, e dizem que esteve por trás de muitas demissões com suas leviandades e fofocas. Na verdade a gota d’água tinha ocorrido uma semana antes quando ele humilhara de propósito um faxineiro que segundo ele não tinha limpado direito sua mesa. O pobre homem quis argumentar e ouviu “sai daqui seu imbecil, você não sabe fazer uma faxina direito, é por isso que é pobre, e vai morrer pobre” O homem deve ter pensado em deitar-lhe a vassoura nos cornos, mas pensou no emprego e saiu cabisbaixo. Geninho, um de seus subordinados após o expediente, enquanto tomava uma cerveja no bar do Amado, segredou aos colegas presentes que iria mandar a carta denunciando aquele abuso. Não faltou que se oferecesse para ajudar. A carta ficou longa pois denunciaram vários fatos de igual brutalidade e arrogância. Assinaram “Funcionários vigilantes”. Geninho foi a uma agencia de correios em um local neutro e enviou. Duas semanas se passaram e quando todos já pensavam no extravio da carta, o arrogante Cornélio foi chamado pelos diretores. Quando voltou da suspensão, Geninho era o novo chefe, e ele, Cornélio tinha sido transferido para o almoxarifado. Será que Geninho tinha sentido a possibilidade e tramado em causa própria? Vai saber! Nestas empresas públicas quando menos se espera alguém puxa o tapete de alguém. É trairagem pura.

AVP- 16/12/2020
Al Primo
Enviado por Al Primo em 16/12/2020
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