*O Jeep

O Jeep

Mulher quando encasqueta com uma coisa ninguém lhe removerá a ideia da cabeça. Não existe no universo conhecido um ser mais obstinado. Assim, foi que de uma hora para outra, minha mulher decidiu que deveria comprar um carro. Embora ela já soubesse de longas datas a minha opinião sobre o assunto, resolvi mais uma vez repetir.

Em nosso caso, creio ser um investimento desnecessário. O tão propalado “custo/benefício” não teria o efeito dito. Primeiro, é que, no momento em que o veículo deixa a concessionária, já sofre uma depreciação de 10% do valor pago. Não conheço nenhum outro caso de algo tão instável. Em segundo lugar, está o fato de que saímos pouco. Um carro só iria atrapalhar o local de armar minha rede cearense que ganhei de uma pessoa querida. Depois, vem o fato de minha mulher não tem C.N.H. ela não sabe dirigir nem carrinho de supermercado, tanto que, ela deixa o carinho largado na fila da padaria e vai buscar sabão a três corredores à frente, mesmo sabendo que passará por lá depois. Na verdade, eu nem sei se ela sabe com qual pé acelera o automóvel. Num passado remoto, ela se metera a aprender a dirigir. Fora um fracasso total, tanto que, ela atolara o carro na passagem sobe um quebra-molas, lá para as bandas do bairro 18 do Forte.

No meu caso, a minha carteira de motorista venceu em 2002 e eu não estou com a mínima disposição para renová-la. Nunca gostei de carro e nem senti falta de um. Tirei carta de habilitação muito a contragosto, por imposição de uma das firmas na qual trabalhei. Se viajo de automóvel ou de ônibus, é por gostar ainda menos de avião. Numa necessidade extrema, solicito um táxi por aplicativo de celular ou peço socorro a uma das filhas.

Como eu supus, seria muito difícil de lhe remover a ideia. Mesmo assim, ainda tentei uma manobra defensiva e perguntei se ele tinha o dinheiro par a compra do bem. A resposta foi sim.

Nós temos conta conjunta em um dos bancos, mas eu não tirava extratos nem quando eu ganhava mais que ela, depois que as posições se inverteram, eu nem no banco fui mais. De sorte que, eu nem sei quanto ela recebe por mês e nem quero saber.

Como ouvi que ela tinha a quantia necessária, arisquei outra pergunta:

- Qual o carro que você deseja comprar?

- Um jeep - respondeu ela –

Pensei cá com minhas “pragatas”: caramba, está boa de bolsa!

Eu não compro nada fiado. Certa vez, fui comprar uma geladeira nas Casas Pernambucanas e me pediram tantos documentos que desisti e por birra, comprei à vista na loja em frente. Então, descartei a possibilidade da compra do carro ser em prestações.

Três dias depois, quando cheguei em casa o carro já estava lá. Se eu fosse cardiopata, teria esticado as canelas no ato! Aquilo me foi um teste muito mais eficiente que eletrocardiograma de última geração. Descobri por acaso que aquele era o tal carro, por ouvir o ultimo dono passando os macetes de como dirigir aquela estrovenga.

Não era um Jeep Renegade, último modelo, mas era um jeep, sim. Willys, modelo sabe-se lá de qual ano, possivelmente, 1961. Já deveria ter passando pela quadragésima nona mão. Eis as características mais ou menos possíveis:

Os algarismos da placa estavam escritos com fita isolante e com toda certeza, o emplacamento atrasado há décadas. Não tinha macaco, mas sim um mico. Pelo que fiquei sabendo, o mico era uma alavanca do tipo “pé de cabra” que certamente iria depender um uma pedra como ponto de apoio, caso necessitasse trocar um pneu... Claro que o câmbio e não era hidráulico. Esse era composto de três alavancas, sendo duas para o sistema de tração total 4x4 e a das marchas. Engatar a primeira marcha não era uma coisa simples. O motorista teria que colocar meio pedal de embreagem e bater na alavanca com um pau parecido com pino de boliche. Essa cacete também estava amarrado com arame ao manche.

Pelo que fiquei sabendo, eram somente duas marchas, uma pra frente e a marcha ré. O lado bom disso era que minha mulher não corria rico algum de perder ou esquecer as chaves do carro, porque não existiam chaves. Como era um carro antigo, tivera num passado remoto o sistema de motor de arranque. Agora, funcionava com auxílio de um prego caibral, como os tratores. Esse prego estava amarrado ao manche por um barbante de sisal.

Ah! Você não leu errado, era manche mesmo. Como o volante estava quebrado pela metade, essa seria a nomenclatura ideal. Algumas coisas desse fantasma de carro desafiavam a minha já tão combalida paciência. Ora, para que limpador de para-brisas do lado do motorista se tinha apenas um plástico meio transparente no local? E por que não tinha limpador no para-brisas no lado do carona? Estava tudo invertido.

Eu passei pelo dissabor de ver esse carro funcionando e confesso que tive medo, muito medo. No instante em que o instrutor introduziu o prego na ignição, o jeep parecia ter recebido uma entidade. Pulava mais que uma britadeira desgovernada. O capô saltou também e estourou a corda na qual era amarrado ao para-choque. O carro saltitava girando em torno de seu próprio eixo por uma razão inédita: as rodas eram de carros de outras marcas e modelos e os pneus tinham aros que variavam de 18 a 22. Ente dirigir aquele trambolho e amansar burro bravo, essa última opção seria a mais ajuizada.

Numa época de combustível pelos olhos da cara, aquele seria uma aquisição desastrosa. Fazia quatro quilômetros por litro e não sei dizer com qual espécie. Pela fumaceira, deveria usar óleo de dendê. Quatro quilômetros por litro se fosse de ladeira abaixo. De ladeira acima, seria melhor ir empurrando.

O jeep não tinha assoalho. O motorista teria que dirigir com o olhar fixo para frente. Se olhasse para baixo teria uma vertigem horrorosa, pois o chão estaria se movimentando na velocidade do som. Não tinha lanternas traseiras. A seta seria dada com a mão. Agora pense na possibilidade de dirigir e ter que mudar de direção e ainda cometer a maldita infração de atender o celular!

O jeep não tinha cinto de segurança por motivos óbvios e não tinha freios também por motivos óbvios. Com uma velocidade de 40 km por dia, os freios só iriam atrapalhar, mas um item me deixou confuso: tem um engate para reboque na traseira. Aquele estorvo que mal se arrastava, como poderia rebocar alguma outra coisa?

Não irei falar dos bancos, mas apenas que, o assento do motorista era revestido com uma tábua de madeira rústica. Farol dianteiro tinha um, por descuido do destino, assim mesmo funcionando em luz alta, sempre. Os pedais estavam carecas, mais lisos que mussum ensaboado. Tinham perdido as borrachas de revestimentos não se sabe em qual era. O velocímetro fora transformado em barômetro.

Fico a me perguntar o que leva uma pessoa a comprar um Encosto desses. Minha mulher não é uma tonta, muito ao contrário, a menos que ela esteja pedindo o divórcio pela via rápida. Caso tenha sido induzida nesta compra, qual o nível de capacidade de convencimento desse vendedor? Por méritos e louvor, merece o Óscar da venda.

Esta semana, ouvi alguém falando no Rally Piocerá/Cerapió. Não estou acreditando!

Bem, o carro está na garagem. Manchas de óleo no piso branco já são vistas de longe. Pelo menos, óleo o carro tem. Não sei quanto custou, nem quero saber e tenho raiva de quem sabe. O certo é que minha rede foi parar no quintal e estou muito bem, obrigado!